Título: Exportação se vai com remessas
Autor: Ênio Vieira/Carlos Vasconcellos
Fonte: O Globo, 03/09/2005, Economia, p. 25

ONU diz que renda do comércio externo do Brasil é perdida com envio de lucros e juros

Os ganhos do Brasil com o comércio internacional nos últimos três anos foram neutralizados pelas transferências totais de recursos financeiros do país para o exterior, mesmo fenômeno que atingiu vários países da América Latina, segundo relatório de Comércio e Desenvolvimento de 2005 da Unctad, órgão das Nações Unidas (ONU) que cuida da área. Preocupada com a perda de renda das nações da região e com o impacto disso sobre o crescimento, a Unctad recomenda que os países em desenvolvimento tenham uma política coordenada para a taxação dessas remessas.

Segundo o diretor da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) no Brasil, Renato Baumann, os países em desenvolvimento, nas últimas décadas, atraíram empresas multinacionais sem regular temas como remessas de recursos. Muitas dessas companhias são exportadoras e ganharam muito com a alta das commodities e a expansão do consumo mundial nos últimos anos.

Mas, diz ele, os países latinos não aproveitaram integralmente os benefícios da renda do comércio exterior, porque a maior parte dela foi reenviada para fora pelas multinacionais. Baumann cita como exemplo as mineradoras estrangeiras, que tiveram um ganho maior com o aumento dos preços nos últimos anos, mas não mantêm os lucros obtidos no país onde operam.

'Commodities' em alta ajudam o Brasil

No caso do Brasil, Baumann explica que o aumento de preço dos produtos exportados em relação às importações, de 2002 a 2004, contribuiu para um ganho de 0,2 ponto percentual ao ano no Produto Interno Bruto (PIB). Mas, quando se adiciona ao comércio a remessa de recursos (juros e lucros, por exemplo), o efeito no PIB é uma perda de 0,1 ponto percentual ao ano.

De acordo com com a Cepal, porém, o Brasil tem sido beneficiado no comércio internacional pelo aumento de preço de commodities , como minério de ferro e soja. Segundo Baumann, as projeções apontam para uma queda gradual dos preços destes produtos no longo prazo:

- Existe uma trajetória decrescente de preços das commodities. Mas o crescimento chinês (9%) e indiano (6,5%) devem preservar por algum tempo ainda as cotações de produtos como minério e soja.

Pelo relatório da Unctad, a economia mundial deverá sofrer uma desaceleração em 2005 e pode crescer 3% neste ano, contra os 3,4% registrados em 2004. O Brasil deve cair de um ritmo de crescimento de 4,9% no ano passado para 3% em 2005. Se este cálculo se confirmar, o Brasil deverá crescer menos que a média de 5,4% dos países em desenvolvimento e de 4,2% da América Latina. Os Estados Unidos devem cair de um nível de crescimento de 4,4% para 3,5% neste ano. O crescimento da União Européia deverá ser de 1,5% neste ano e o do Japão, 1,8%.

- O problema é que o menor crescimento americano não foi compensado pela União Européia e o Japão - diz o economista.

Para Antônio Corrêa de Lacerda, economista da PUC-SP, se o Brasil chegar a 3,5% de crescimento este ano já estará de bom tamanho. Ele lamenta que o país não esteja aproveitando o cenário internacional favorável, para crescer mais:

- Os juros elevados e o câmbio sobrevalorizado prejudicam a absorção de investimentos e as exportações de alto valor agregado.

Outro fator determinante para o crescimento da economia mundial nos próximos anos será o comportamento do preço do petróleo. Baumann, da Cepal, avalia que a alta do combustível deverá ter menos efeito na inflação e no crescimento do que nos choques de 30 anos atrás.

Os números da Unctad mostram que as importações de petróleo correspondiam a 4% do PIB nos países industrializados e hoje elas respondem por 2%. A dependência, segundo Baumann, é maior nos países em desenvolvimento, onde as importações representam cerca de 4% do PIB. O economista da Cepal ressalta, no entanto, que os países desenvolvidos têm hoje uma economia mais voltada para serviços. Com isso, ficaram menos dependentes do petróleo.

Outro risco para a economia mundial está no ajuste a ser feito pelos EUA nos déficits das contas externas e fiscal. O relatório da Unctad sugere que esse ajuste não se realize apenas com valorização da moeda chinesa, como defendem os americanos, levando a uma conseqüente queda do superávit externo da China. O ideal para a Unctad será um crescimento da União Européia e do Japão, pois ambos concentram 30% do superávit externo no mundo (recebem mais moeda estrangeira do que remetem) e a China tem apenas 8% deste excedente de recursos.

- A pressão sobre a China para uma valorização da moeda pode impactar os países em desenvolvimento, que têm vendas crescendo para a economia chinesa - diz Baumann.

[PAÍSES DESENVOLVIDOS, PAÍSES EM DESENVOLVIMENTO]

COLABOROU: Carlos Vasconcellos

BRASIL NÃO APROVEITA CENÁRIO EXTERNO FAVORÁVEL, na página 26