Título: Brasil não aproveita cenário externo favorável para deslanchar economia
Autor: Carlos Vasconcellos
Fonte: O Globo, 03/09/2005, Economia, p. 26

Especialistas afirmam que déficit dos EUA põe em risco equilíbrio mundial

Uma das recomendações do relatório de Comércio e Desenvolvimento divulgado ontem pela Unctad, organismo das Nações Unidas, é que os países em desenvolvimento aproveitem o cenário externo favorável e os altos preços das commodities para reequilibrar suas finanças e diversificar suas exportações. Economistas brasileiros, no entanto, acreditam que, embora saudável, a recomendação não é tão simples de seguir.

- Usar esses recursos em diversificação não é uma meta de curto prazo - afirma Lia Valls Pereira, economista da Fundação Getúlio Vargas. - A Venezuela, por exemplo, já atravessou vários ciclos de alta do petróleo e nunca conseguiu fazer isso.

Muitos especialistas também viram no relatório da Unctad mais uma evidência de que o Brasil está perdendo a corrida do crescimento, uma vez que a expansão prevista de 3% pelo organismo da ONU para o PIB brasileiro em 2005 continua abaixo da média dos países emergentes.

- Esse é um dos cenários internacionais mais favoráveis dos últimos cem anos e o Brasil não está aproveitando - diz Gesner Oliveira, ex-presidente do Cade e consultor da Tendências. - O país está crescendo pouco para uma oportunidade de ouro.

Déficit americano é 70% do superávit total do mundo

Quanto aos riscos de uma crise mundial apontados no relatório, os economistas concordam que os déficits nas contas fiscal e externas dos Estados Unidos são a maior ameaça. Segundo a Unctad, o déficit total americano chega a quase 70% dos superávits totais no mundo.

- Quando isso se reverter, toda a estrutura econômica vai ser rearranjada - afirma Alexandre Barros da Cunha, professor do Ibmec, que tem a impressão, no entanto, de que o impacto para os países emergentes seria menor que o das crises cambiais de 1997.

Lia Valls, da FGV, concorda com o relatório da Unctad e diz que a pressão americana para que a China valorize sua moeda é um equívoco.

- Isso criaria problemas para a própria China e para os Estados Unidos, o que teria um efeito perverso na demanda mundial - diz a economista.

O relatório da Unctad também recomenda que os países trabalhem na criação de uma política cambial que diminua a volatilidade do mercado internacional. Segundo o organismo da ONU, essa seria uma maneira de diminuir o impacto das crises. Mais uma vez, os economistas vêem a recomendação como positiva, mas não acreditam na viabilidade de sua execução.

- Sendo realista, não acredito nisso a curto ou médio prazo - afirma Gesner.

Para Barros da Cunha, mais do que uma política cambial multilateral, a redução de barreiras comerciais e o fim dos subsídios agrícolas seria realmente muito importante para os países pobres.

A Unctad, em seu estudo, também analisa o crescimento do comércio entre os países em desenvolvimento. O chamado intercâmbio Sul-Sul, no entanto, embora positivo, ainda não é tão significativo, pois é inflado pelo comércio triangular entre países asiáticos.

- Esse é um fenômeno novo e promissor, mas ainda não tem volume para compensar os fluxos na Europa, nos EUA e no Japão - concorda Gesner.

Já Antônio Corrêa de Lacerda, economista da PUC-SP, acredita que o Brasil não deve se limitar a aumentar seu comércio no âmbito Sul-Sul. Para ele, isso é tão importante quanto ampliar o comércio total do país:

- Nossa balança comercial é enganadora. O que cresce é o valor das exportações. Os produtos de alto valor agregado ficam prejudicados com esse câmbio fora de lugar.

'Esse é um dos cenários internacionais mais favoráveis dos últimos cem anos e o Brasilnão está aproveitando'

GESNER OLIVEIRA

Ex-presidente do Cade e consultor da Tendências

'Nossa balança comercial é enganadora. Os produtos de alto valor agregado ficam prejudicados, com esse câmbio fora de lugar'

ANTÔNIO CORRÊA DE LACERDA

Economista da PUC-SP