Título: MORTES POR ARMAS CAEM PELA 1ª VEZ EM 13 ANOS
Autor: Carolina Brígido
Fonte: O Globo, 03/09/2005, O País, p. 10

Redução em 2004 foi de 8,2% em relação a 2003; para o governo, queda é resultado da campanha de desarmamento

BRASÍLIA. O número de mortes causadas por armas de fogo no Brasil diminuiu em 2004 pela primeira vez em 13 anos. De acordo com levantamento do Ministério da Saúde, a redução foi de 8,2% em relação a 2003. Isso equivale a 3.234 vidas poupadas. O governo federal atribuiu a queda nas mortes por armas de fogo à campanha do desarmamento. Iniciado há mais de um ano, o movimento mobilizou os brasileiros a entregar suas armas à Polícia Federal em troca de recompensa financeira. Até o momento, foram recolhidas mais de 443 mil armas.

Em 2003, foram registradas 39.325 mortes por armas de fogo - o equivalente ao assassinato de 108 pessoas por dia. Em 2004, o número caiu para 36.091. A redução no número de mortes foi verificada em 18 estados. Os dados foram considerados animadores pelos ministros Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, Saraiva Felipe, da Saúde, e Luiz Dulci, da Secretaria Geral da Presidência.

- Estamos vivendo um momento de crise no país, mas hoje é um dia de muita alegria. Estamos celebrando a poupança de milhares de vidas. Eu não esperava que a queda de mortes fosse tão grande - declarou Bastos.

SP e RJ tiveram maiores quedas

Em números absolutos, o estado que mais contribuiu para a redução nacional do índice foi São Paulo, com 1.960 mortes a menos em 2004 do que no ano anterior, seguido do Rio de Janeiro, com 672 mortes a menos. A maior queda percentual de óbitos por armas de fogo foi registrada em Mato Grosso, onde morreram 20,6% pessoas a menos em 2004 em comparação com o ano anterior. A variação em São Paulo foi de -19,4%; em Sergipe, -17,1%; em Pernambuco, -14,5%; na Paraíba, -14,4%. No Estado do Rio de Janeiro foi de -9,9%.

Segundo dados do Ministério da Saúde, as mortes por arma de fogo atingem principalmente homens jovens, com idade entre 10 e 29 anos. Nessa faixa etária, as armas matam mais do que doenças respiratórias, cardiovasculares, câncer, Aids e acidentes de trânsito.

Desde o início da campanha do desarmamento, em 15 de julho de 2004, as 443.719 armas de fogo recolhidas em todo o país foram destruídas pelo Ministério da Justiça. A campanha de coleta de armas foi estendida até 23 de outubro, data do referendo em que a população brasileira decidirá se concorda ou não com a proibição de venda de armas de fogo e munição em território nacional. Após 23 de outubro, as pessoas ainda poderão entregar armas à Polícia Federal. No entanto, não deverão ser remuneradas.

Antes da campanha do desarmamento as mortes por arma de fogo estavam aumentando desde o início da década de 1990. "Isso indica um possível impacto do Estatuto do Desarmamento e do recolhimento de armas na mortalidade por arma de fogo no Brasil", concluiu a pesquisa feita pelo Ministério da Saúde.

- A sociedade se engajou fortemente na campanha. Os números da pesquisa materializam o acerto dessa iniciativa. Depois de muitos anos em que a pregação da violência parecia suplantar os princípios da paz, tivemos uma retomada dos valores morais com a campanha - disse Luiz Dulci.

Márcio Thomaz Bastos lembrou ontem que a campanha do desarmamento não tinha o objetivo de tirar as armas dos bandidos, mas das pessoas de bem. Com isso, a intenção era diminuir a probabilidade de ocorrer um acidente ou uma morte causada por uma briga que poderia ser resolvida pacificamente se não houvesse uma arma no local.

- Contra os bandidos, não é a campanha do desarmamento que vai trazer a solução, é a repressão - explicou o ministro da Justiça.

O deputado Luiz Eduardo Greenhalgh (PT-SP), que defendeu a aprovação do Estatuto do Desarmamento na Câmara, também comemorou os resultados da campanha:

- Os resultados da pesquisa indicam o impacto do Estatuto do Desarmamento e do recolhimento de armas. Fiquei particularmente surpreso com a redução de mortes no Rio de Janeiro, um local onde a população vive entre o crime organizado e uma polícia com armas não tão sofisticadas para combater o narcotráfico - disse o parlamentar.

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ONGs comemoram resultado

Os resultados do levantamento do Ministério da Saúde foram comemorados pelo Instituto Sou da Paz, que lutou pela aprovação do Estatuto do Desarmamento. Segundo a ONG, dos 14 estados que mais armas entregaram durante a campanha do governo, 12 apresentaram quedas consideráveis nos índices de mortes por armas de fogo.

- O Estatuto do Desarmamento, como um todo, é um dos principais responsáveis por essa queda tão significativa e não diz respeito apenas à campanha de entrega voluntária de armas: foi essa a lei que também proibiu o porte para os civis. Essa proibição é de fundamental importância para esse resultado, pois, quanto menos pessoas circulando armadas, menos mortes são registradas, sejam elas decorrentes de homicídios, acidentes ou suicídios - disse Mariana Montoro, gerente de mobilização do Sou da Paz.

- As 3.234 vidas poupadas no ano de 2004 são motivo suficiente para que optemos por continuar nessa direção vitoriosa rumo à contenção da criminalidade violenta no país - elogiou Denis Mizne, diretor executivo do Sou da Paz.

Em votação simbólica, deputados do Rio aprovaram em primeira votação a criação da Comissão Parlamentar Frente Brasil Sem Armas na Assembléia Legislativa do Rio. A frente já conta com apoio de 50 dos 70 parlamentares da Casa. Segundo o deputado Alessandro Molon, que participa da coordenação, os parlamentares se comprometeram a realizar campanhas em seus redutos eleitorais, para conclamar à votar "sim", no referendo de 23 de outubro próximo.