Título: ESPECIALISTAS: POLÍTICA AMBIENTAL DE BUSH PODE LEVAR A MAIS DESASTRES
Autor: Leonardo Valente
Fonte: O Globo, 04/09/2005, O Mundo, p. 37

Descaso com aquecimento global propicia eventos naturais extremos

O desastre natural ocorrido no Sul dos Estados Unidos voltou mais uma vez a atenção do país e do mundo para a política ambiental do presidente George W. Bush. Responsável por regular a interação do maior parque industrial do mundo com o meio ambiente global, Bush é atacado desde o início de sua gestão por negligenciar questões ambientais. Os fortes ventos do furacão Katrina espalharam ainda mais as críticas e aumentaram o medo de que a continuidade de suas políticas contribua para mais catástrofes naturais.

¿ Existem fortes indícios científicos de que a maior freqüência de eventos naturais extremos, como o Katrina, tenham como causa o aquecimento global. Este aquecimento é, em parte, provocado pela emissão de gases na atmosfera, principalmente pela indústria, e os Estados Unidos são os maiores emissores desses gases. No entanto, em vez de o presidente Bush pensar em regular essa emissão, preferiu retirar os Estados Unidos do Protocolo de Kioto, acordo internacional que prevê o comprometimento dos signatários em controlar essas emissões. Diante disso, podemos, portanto, dizer que a política do presidente americano, indiretamente, contribui para essas catástrofes ¿ afirmou Luiz Pinguelli Rosa, professor da Coordenação dos Programas de Pós-graduação de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/UFRJ), secretário-geral do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas.

A política interna de Bush para questões ambientais também tem provocado reações iradas de ambientalistas e organizações não-governamentais. De acordo com dados da ONG WWF, publicados na revista ¿Rolling Stone¿, o presidente americano é responsável por cerca de 200 projetos de lei que inibem pesquisas para fins ambientais ou impedem punições para indústrias que poluem.

Outro motivo de reclamação é o desvio de orçamento do meio ambiente, principalmente para o setor militar. De acordo com a ¿Rolling Stone¿, o governo teria retirado cerca de US$200 mil dos já escassos recursos para pesquisa com energia solar (menos de US$1 milhão), para despesas da Casa Branca.

Política ambiental assustou mesmo os conservadores

Até mesmo republicanos conservadores já se assustaram com a forma do presidente de conduzir a questão ambiental. Em 2001, poucos meses depois de assumir o governo, uma equipe liderada pelo vice-presidente Dick Cheney já havia redigido um amplo relatório, que resultaria numa futura política energética, insistindo em aumentar notavelmente o fornecimento global e doméstico de petróleo e gás e relaxar normas ambientais e outras regulamentações que pesavam sobre a indústria energética. Os conservadores se alarmaram com o declarado descaso com o meio ambiente e com o desinteresse em desenvolver fontes energéticas alternativas, e acabaram sendo responsáveis por grande parte dos vetos feitos pelo Congresso.

Mês passado, depois de quatro anos de tentativa, Bush finalmente conseguiu aprovar o pacote, que agora prevê incentivos tímidos para fontes alternativas de energia, mas que custará US$14,5 bilhões ao governo para estimular a produção de petróleo, gás natural e eletricidade. Uma das mais controversas medidas inicialmente propostas, a exploração de petróleo numa reserva selvagem no Alasca, foi destacada do pacote para ser votada isoladamente pelo Congresso este mês.

¿ O presidente Bush já deixou clara sua postura de defender a indústria do petróleo em detrimento do meio ambiente. A retirada dos EUA do Protocolo de Kioto não deixa dúvidas. E a forma de justificar essa atitude é dizer que não acredita no que a comunidade científica diz sobre o aquecimento global. É uma postura irresponsável ¿ disse Moacyr Duarte, especialista em ações emergenciais e professor da Coppe/UFRJ.

Os EUA são hoje responsáveis por cerca de um quarto das emissões de CO2 no mundo. O país depende de petróleo de outras nações para suprir 60% da sua demanda diária de quase 21 milhões de barris. O uso de gasolina responde por dois de cada cinco barris consumidos.