Título: CAI O TITULAR DA POLINTER
Autor: Antonio Werneck e Gustavo Goulart
Fonte: O Globo, 05/09/2005, Rio, p. 9

Declaração que presos são forçados a assinar leva a troca de delegado e abertura de sindicância

A denúncia de que presos na carceragem da Polinter, no Centro do Rio, são obrigados a assinar uma declaração assumindo a responsabilidade por sua integridade física, como O GLOBO noticiou ontem, levou o governo estadual a trocar o comando da delegacia. O chefe de Polícia Civil, Álvaro Lins, decidiu substituir o delegado titular Luís Alberto Andrade pelo delegado Cláudio Góes. Por ordem do secretário de Segurança, Marcelo Itagiba, que exigiu providências em relação ao problema, também foi instaurada uma sindicância sumária para investigar o caso.

Um relatório de entidades de defesa dos direitos humanos mostra as condições desumanas a que são submetidos os presos da Polinter e destaca a declaração que eles são obrigados a assinar, apesar de, por lei, o estado ter a obrigação de garantir a segurança dos detentos. No termo, os internos dizem a que facção criminosa pertencem, para então serem distribuídos nas celas.

Em nota da Secretaria de Segurança divulgada ontem, Itagiba disse ser contra a divisão dos detentos por grupos criminosos:

¿ Não reconheço tais facções. Para mim, preso é preso.

O secretário acrescentou que nenhum governo ¿investiu tanto na ampliação e na melhoria das delegacias e do sistema prisional como os de Anthony Garotinho e de Rosinha Garotinho¿. Ele admitiu, no entanto, que pode haver superlotação:

¿ Com as 52 mil prisões feitas pelas polícias do Rio no atual governo, a nossa capacidade de prender os criminosos talvez esteja um pouco acima da de mantê-los encarcerados, o que, em algumas situações específicas, pode resultar em indesejáveis casos de superlotação que, comprovadamente, estão sendo combatidos pelo governo do estado, em respeito aos direitos humanos dos presos.

Secretário nacional pedirá providências

O termo que os presos assinam tem o seguinte texto num carimbo: ¿Declaração: assumo total responsabilidade sobre minha integridade física ao optar em permanecer no xadrez, o qual predomina a facção denominada Comando Vermelho¿. A prática adotada pela Polinter foi condenada por uma série de especialistas e entidades. O secretário nacional de Direitos Humanos, Mário Mamede, informou ontem que vai notificar o Ministério da Justiça para tomar providências, por intermédio dos órgãos controladores do sistema penitenciário no país, contra os abusos na carceragem da Polinter.

¿ Sinto-me no dever de comunicar este absurdo, mas acho que só a publicação (da notícia) já seria suficiente para que tomassem uma atitude contra este descalabro ¿ disse Mário.

Marcelo Freixo, da ONG Justiça Global e ex-diretor do Conselho da Comunidade, órgão fiscalizador do sistema penitenciário, disse que todos os presos assinam algum documento desse tipo. Ele lembrou que, na rebelião da Casa de Custódia de Benfica, em 2004, quando 31 presos foram assassinados numa guerra de facções, alguns dos mortos eram moradores de rua e não integravam qualquer grupo criminoso. Só ganharam esse rótulo na cadeia.

¿ Se a pessoa diz que não tem facção, eles colocam na cela de acordo com a região da cidade onde ela mora. É a prova cabal de que o estado se rendeu ao crime ¿ disse Freixo.

Celuta Cardoso Ramalho, da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, lembra que o problema da superpopulação carcerária é antigo. Segundo ela, em alguns casos juízes determinam a interdição de carceragens, mas a medida não tem surtido efeito.

¿ A situação de uma carceragem em Niterói em frente ao Fórum continua um absurdo. Fazemos dezenas de relatórios sobre as condições dos presos, mas nada muda ¿ disse Celuta.

Cecília Coimbra, vice-presidente do grupo Tortura Nunca Mais, também criticou o uso da declaração na Polinter:

¿ Cada vez mais o estado retira sua responsabilidade. É um acinte à dignidade humana, por mais criminoso que seja o sujeito. O estado não pode se igualar a ele.

O sociólogo Ignacio Cano, pesquisador do Laboratório de Análise da Violência da Uerj, considerou cômica a medida adotada pela Polinter:

¿ Isso não tem qualquer valor legal. O estado é plenamente responsável por quem está sob sua custódia e não há papel que possa mudar isso. O estado coloca o preso em condições subumanas e depois simplesmente o obriga a assinar um papel que o responsabiliza. É um absurdo.

A falta de valor legal da declaração também foi lembrada pelo jurista Hélio Bicudo, presidente da Fundação Interamericana de Direitos Humanos, entidade privada que já conta com seis países signatários, entre eles o Brasil.

¿ Não tem o menor cabimento. Quando uma pessoa entra numa casa de custódia do estado, não pode se responsabilizar pela sua própria segurança. É uma regra de direito comum. Esse documento não tem validade jurídica alguma e viola os direitos humanos. Não vale nem do ponto de vista civil, para impedir a família do preso de processar o estado, nem do criminal.

O deputado federal Chico Alencar (PT), vice-presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara, considerou o fato uma agressão à Constituição:

¿ Na ficha do preso já havia um campo de preenchimento em que ele identificava a facção a que pertencia, o que eu já achava estranho. Agora, isso é uma agressão à Constituição. É um princípio basilar: o estado é responsável pela integridade do preso. Quando o detento assina um texto desse, está dando permissão a colegas de cela para o espancarem e também dando carta branca a agentes do estado para agredi-lo.

Chico Alencar informou que a Comissão de Direitos Humanos da Câmara vai pedir esclarecimentos a autoridades do estado. Segundo ele, se confirmada a denúncia, será um fato inédito.

¿ Nem no Iraque deve haver medida em que o torturado seja o único culpado pela tortura que vier a sofrer ¿ comentou.

COLABOROU Dimmi Amora