Título: UM TRÁGICA REPETIÇÃO DOS ERROS DE BUSH
Autor: Bill Torpy
Fonte: O Globo, 05/09/2005, O Mundo, p. 19

Enquanto diques rompiam e o inferno se instalava em Nova Orleans terça-feira, o presidente Bush mais uma vez preferiu voar para longe de Washington. Todos nós podemos enumerar as muitas diferenças entre uma catástrofe natural e um ataque terrorista. Mas caráter não muda. É imutável, e é destino.

Como sempre, a prioridade do presidente ¿ aquela que o levou de Crawford à Califórnia ¿ foi se salvar. Ele tinha que combater a incontrolável inundação de índices baixos de popularidade nas pesquisas. Era hora, portanto, de explorar o cataclisma que definiu seu primeiro mandato ¿ o 11 de Setembro ¿ mesmo que o preço fosse o de não reconhecer o fiasco que emergia para engolfar o segundo mandato.

Depois de despachar o Katrina com frases que eram puro clichê (¿nossos corações e nossas preces estão com nossos cidadãos¿), Bush se dedicou a uma tarefa mais importante. A guerra no Iraque é a Segunda Guerra Mundial. George W. Bush é Franklin Delano Roosevelt. E quem se recusar a seguir seu curso é fraco diante do terrorismo e culpado por uma ¿tendência a se isolar e a se retrair¿ pré-11 de Setembro.

Mas mesmo quando prometeu ¿vitória¿ (palavra usada nove vezes no discurso de terça-feira), Bush estava no cenário simbólico de seu fracasso. Foi na mesma costa de San Diego que ele declarou ¿Missão Cumprida¿ a bordo do porta-aviões Abraham Lincoln, mais de dois anos atrás.

Este governo gostaria que esquecêssemos muita coisa, a começar pelo simples fato de que domingo que vem será o quarto aniversário do ataque da al-Qaeda ¿ e não do Iraque ¿ a nós. Mesmo antes de o Katrina assumir o comando das notícias, 11 de setembro de 2005 estava destinado a ser uma ocasião meio esquecida, distorcida e manchada por uma grotescamente inapropriada festa country music patrocinada pelo Pentágono.

Mas mesmo sendo difícil para nós refletir sobre tanta tristeza de uma vez só, não podemos nos permitir esquecer a verdadeira história que cerca o 11 de Setembro: é a pedra da roseta para o que está acontecendo agora. Se nos afastarmos dos desastres do Katrina e do Iraque, teremos que viver no mundo real, e não na terra da fantasia da propaganda baseada na fé feita pelo governo. Está tudo ligado.

Embora a história em geral aconteça primeiramente como tragédia, e depois como farsa, mesmo neste estágio inicial podemos ver que a tragédia está se repetindo mais uma vez como tragédia. Considerando a falta de atenção do presidente às ameaças anteriores ao 11 de Setembro, seu desaparecimento no dia dos atentados e o erro estúpido no plano doente de fazer uma guerra de escolha que é uma filha bastarda do 11 de Setembro, o Katrina é um dèjá-vu com vingança.

A declaração do presidente de que ¿não acho que ninguém previu o rompimento dos diques¿ ganhou instantaneamente a notoriedade da afirmação de Condoleezza Rice de que ¿não acho que alguém poderia ter previsto que essas pessoas iam tomar aviões e lançá-los contra o World Trade Center¿. Ao completo esquecimento do governo em relação às possibilidades de falta de energia, alimentos, água, e de desordem civil, falta apenas somar-se a conhecida observação de Donald Rumsfeld de que ¿coisas acontecem¿.

FRANK RICH é colunista do New York Times