Título: O destino incerto dos sobreviventes do furacão
Autor: Bill Torpy
Fonte: O Globo, 05/09/2005, O Mundo, p. 19

Cidades vizinhas dizem não ter estrutura para receber grandes levas de miseráveis provenientes de Nova Orleans

ATLANTA. Com o fim dos saques e da retirada dos moradores de Nova Orleans um novo problema se impõe: o que fazer com a população carente da cidade? Jovens rebeldes, homens desempregados, velhos doentes. Partes de Nova Orleans já eram lugares miseráveis e perigosos muito antes de as terríveis imagens de pobreza e saques serem transmitidas pela televisão para todo o mundo. Aproximadamente um quarto de seus 480 mil moradores vive abaixo da linha da pobreza. Quase todos são negros. Todos precisam de um novo lugar para morar.

Mesmo quando não há problemas adicionais (como furacões e enchentes) essa população exerce uma pressão considerável sobre escolas, serviços sociais e ordem pública. Que comunidades vão absorver esses refugiados por quatro, seis ou oito meses? Ou mesmo para sempre? Que tipo de apoio receberão as cidades para acomodar essas pessoas que vivem à margem da sociedade? E que tipo de resistência enfrentarão? Resumindo, para onde vão as pessoas que ninguém quer?

¿ Essa crise vai expor a alma da América; seremos testados em nossas almas ¿ afirmou o reverendo Joseph Lowery, veterano líder de direitos civis. ¿ Estamos vendo as faces da pobreza. As pessoas que estão lá agora, sofrendo, são negras e marginalizadas.

Questão racial pode tornar situação mais explosiva

Ninguém sabe quantos refugiados cada cidade receberá. A primeira leva começa agora a ocupar escolas e abrigos em Atlanta. Alojar todas essas pessoas pode se tornar uma situação explosiva, acreditam líderes políticos e comunitários, porque envolve a questão racial.

¿ A raça já é uma questão na América, mesmo sem crise ¿ afirmou o ex-prefeito de Albany Tommy Coleman, cuja cidade foi alagada em 1994 numa enchente que desalojou um terço da população, a maioria pobre e negra. Na época houve graves acusações de racismo e diversas ações judiciais contra autoridades e comunidades brancas.

Para Coleman, as imagens de saques e desordem social em Nova Orleans certamente farão com que certas comunidades resistam a receber os refugiados.

¿ Não há dúvida de que isso vá exacerbar o problema. Será difícil para muitas comunidades aceitarem um grande número de pessoas ¿ sustentou o ex-prefeito.

Houston se ofereceu para receber cerca de 25 mil desabrigados de Nova Orleans que estavam no estádio Superdome. Mas as autoridades suspenderam a transferência dos refugiados para o Astrodome quando o número de pessoas chegou a 12 mil. Agora estão tentando encontrar um outro lugar para receber o restante das pessoas.

Desabrigados são chamados de criminosos

Muitos em Houston já estão questionando o influxo. Num programa de entrevistas no rádio, uma mulher abordou o tema afirmando:

¿ Já temos criminosos em número suficiente por aqui.

Para o ex-prefeito de Atlanta Andrew Young, nascido em Nova Orleans, realocar os desabrigados será difícil.

¿ O problema é que ninguém os quer ¿ disse. ¿ Nossas escolas já estão superlotadas. Nossos serviços sociais serão sobrecarregados. Atlanta tem um histórico de aceitar pessoas, mas em número muito menor. Essa crise mostrará o nosso melhor lado, mas também o nosso pior.