Título: LIVRE DE UM PESO DE US$21 BI
Autor: Enio Vieira e Martha Beck
Fonte: O Globo, 05/09/2005, Economia, p. 14

Corte da dívida externa do país e de empresas é um passo na direção do grau de investimento

Odesempenho das exportações e o excesso de dólares no mercado externo, aliados aos juros altos no país ¿ cenário que fortaleceu o real frente à moeda americana ¿ abriram um espaço para a redução da dívida de empresas e do governo em moeda estrangeira. A queda diminui a vulnerabilidade externa e deixa o Brasil mais próximo do sonhado investment grade, nota dada a países que as agências de classificação de risco recomendam para investimentos. Entre 2003 e 2005, só as empresas reduziram seu endividamento externo em US$14,548 bilhões. O Tesouro Nacional reduziu a parcela da dívida interna corrigida pelo câmbio de 37% para 4% no mesmo período e anunciou que, pela primeira vez, abaterá dívida externa, no valor de US$2,8 bilhões, nos próximos dois anos. No total, o endividamento externo brasileiro encolheu cerca de US$21,4 bilhões.

¿ A importância de o governo brasileiro e as próprias empresas estarem reduzindo seu endividamento em moeda estrangeira é que isso reduz a vulnerabilidade caso haja um choque cambial ¿ explica a diretora de Risco Soberano da Standard & Poor¿s (S&P), Lisa Schineller.

A diminuição do estoque atrelado ao câmbio na dívida se reflete em indicadores que investidores observam na hora de aplicar recursos no país. A relação entre dívida líquida do setor público e o Produto Interno Bruto (PIB) caiu de 55,5% em 2002 para 51,3%. Para Lisa, este foi um dos fatores que levou a S&P, em setembro de 2004, a melhorar levemente a classificação de risco do Brasil em moeda estrangeira, de ¿B+¿ para ¿BB-¿. O governo precisa ainda subir três níveis para atingir o grau de investimento.

¿ A melhoria na composição da dívida via redução da parcela indexada ao câmbio deixa a relação dívida/PIB mais estável, e isso é um fator-chave para a melhoria na classificação do Brasil ¿ destaca Lisa.

Cepal: dívida interna e juros são problema

Outro fator que também é considerado pelos investidores é a relação entre dívida externa e exportações, que caiu de 3,5 para 2 entre 2002 e março de 2005. O pagamento de juros da dívida, que representava 82,7% das exportações em 2002, caiu para 49,8% em março deste ano.

Segundo o Banco Central, a dívida externa total era de US$219,723 bilhões no terceiro trimestre de 2003. No primeiro trimestre deste ano, o valor já baixou para US$201,921 bilhões, e a estimativa para maio é que ela caia para US$198,287 bilhões.

¿ A dívida externa está na trajetória para o investment grade. Em 1999, a relação da dívida externa pelas exportações era de 409% e caiu para 185% em 2004. O problema está agora na dívida interna, que tem uma parcela grande corrigida pela taxa de juros ¿ afirma o diretor da Comissão Econômica para a América Latina (Cepal) no Brasil, Renato Baumann.

A queda da dívida externa representa uma inversão em relação ao Plano Real, quando as empresas dobraram sua dívida externa e tomaram US$67,423 bilhões emprestados no mercado internacional de 1994 a 1998. O endividamento permitiu praticamente o congelamento do câmbio em um real por dólar, mas deixou a economia vulnerável aos cortes de crédito externo.

Na crise cambial de 2002, por exemplo, as empresas não conseguiram renovar dívidas e pagaram US$16,462 bilhões. Segundo a diretora de Análise de Crédito da S&P, Milena Zaniboni, a partir de 2002 as empresas começaram a mudar essa estratégia, pois a volatilidade cambial ficou muito alta.

¿ As empresas perceberam que o risco cambial que aceitavam correr antes tinha um custo muito alto e começaram a tentar adequar suas dívidas buscando linhas em moeda local ¿ explica Milena.

Economista alerta para baixas reservas

Segundo Douglas Oliveira, sócio-executivo da PricewaterhouseCoopers, o atual quadro favorável pode fazer com que o Brasil se aproxime ainda mais da categoria de investment grade.

¿ Esse trabalho do Tesouro de melhorar sua dívida pública e abater a dívida externa faz parte do antigo sonho de fazer o Brasil chegar a investment grade, e acho que essa movimentação faz com que o país fique mais próximo desse sonho ¿ afirma Oliveira.

Antônio Corrêa de Lacerda, economista, professor da PUC-SP e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Estudos de Empresas Transnacionais e da Globalização Econômica (Sobeet), considera que a estratégia do governo é positiva, mas ainda é tímida. Segundo ele, uma estratégia adicional importante seria acumular mais reservas líquidas. Hoje elas estão em torno de US$38 bilhões, mas o ideal seria que elas ficassem em torno de US$80 bilhões.

Lacerda lembra que Rússia e Coréia do Sul têm reservas em torno de US$100 bilhões. Com mais reservas, o país fica menos vulnerável e tem mais liberdade em sua política econômica, pois não fica refém do humor dos mercados internacionais.

¿ A estratégia do Tesouro Nacional de abater parte da dívida externa é positiva, mas não resolve todos os problemas. O Brasil optou por uma política econômica conservadora que limita o crescimento. A Índia cresce a uma média de 6% ao ano e exporta mais que o Brasil por ter juros baixos e câmbio desvalorizado. Estamos na lanterninha dos países em desenvolvimento ¿ alerta o professor da PUC-SP.