Título: O FIO DA GUILHOTINA
Autor: Helena Chagas
Fonte: O Globo, 05/09/2005, O País, p. 4

As denúncias que jogaram o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, no olho do furacão servem de aviso aos navegantes da instituição: o dever de casa não acaba com os 18 da lista das CPIs. E a questão não é só olhar para cima e descobrir a origem do dinheiro do valerioduto, hoje uma obrigação. As investigações precisam também escavar, e logo, camadas mais subterrâneas da Casa.

É lá que se vai descobrir quem mais recebeu o quê. Aparentemente, a denúncia que atinge o presidente da Câmara, e que ainda precisa ser comprovada, nada tem a ver com o mensalão que saía das tetas do esquema PT-Marcos Valério. O caso de Severino pode mesmo ter encaminhamento e desfecho diversos, sem passar pelas CPIs ou pelo Conselho de Ética. Há quem aposte, no caso de as investigações virem a concluir que ele seja culpado, numa renúncia negociada ao cargo na Mesa ou outra solução do tipo, como um afastamento temporário.

Por envolver, porém, aquele que, em tese, deve atuar como juiz, o episódio Severino, dependendo de sua conclusão, pode deixar a instituição, que já estava no chão, sete palmos abaixo da terra. Por ora, é mais um triste lembrete de que podem existir mais coisas entre o céu e a terra na atual legislatura do que aquilo que a camada intermediária de culpados que está sendo servida à opinião pública pelas CPIs no escândalo do valerioduto pode querer fazer crer.

Por exemplo: Roberto Jefferson, José Janene e Valdemar Costa Neto receberam dinheiro do PT e distribuíram entre os seus no PTB, no PP e no PL. Quem recebeu? Até agora, pouquíssimos nomes desse baixo clero beneficiado foram revelados.

Pouco importa se o nome disso é mensalão ou não. O dinheiro pode ter sido dado para pagar dívidas de campanha no caixa dois? Pode. Mas o objetivo pode ter sido também comprar votos ou recompensar deputados que engordaram as bancadas aliadas ¿ hipótese, aliás, facilmente comprovável se as CPIs se debruçassem sobre as listas dos deputados que trocaram de legenda em agosto e setembro de 2003. Outras listas interessantes seriam as dos signatários do apoio à eleição dos líderes de partidos da base aliada.

O fato é que o caminho das pedras pode estar nesse trabalho de formiguinha, na comparação de nomes e dados, em catar agulha no palheiro das quebras de sigilo, o que não foi feito direito até agora.

Mas será que as CPIs querem engordar a lista dos 18? Por enquanto, a maioria dos candidatos à guilhotina é do PT, o que é cômodo para certos setores. Avançando as escavações nas profundezas, é inevitável que outros partidos entrem na dança. E que o número de deputados envolvido seja multiplicado para 30, 40, 50... É muito difícil que a Cãmara vá cassar essa gente toda. Aliás, a expectativa é de que talvez nem um terço dos 18 hoje a caminho da forca percam o mandato.

Afinal, o que leva um deputado a cassar um colega? O desejo de salvar a própria pele, muito mais do que o senso de justiça ¿ que poderia até absolver alguns dos que ali estão.

Mas parlamentares agem politicamente e não costumam ir um milímetro além do necessário. Punem para agradar a opinião pública. Assim que esta dá uma folga e vai cuidar de outra coisa, esquecem o assunto. Não há dúvidas de que a guilhotina cortará implacavelmente os mandatos dos primeiros a serem submetidos ao plenário. Depois, perderá o fio.

A caixa-preta do Delúbio

Execrado pela opinião pública e saco de pancadas do Planalto e de setores do PT, o ex-tesoureiro Delúbio Soares tem sido alvo de complacência, e até certa admiração, nos bastidores do Campo Majoritário. Lembra um de seus ex-companheiros que Delúbio ¿ que beneficiou-se de uma liminar neste fim de semana para não ser expulso do partido ¿ é uma espécie de caixa-preta do PT. Ou seja, sabe tudo, mas tudo mesmo, sobre acordos financeiros e eleitorais dos petistas e aliados em eleições passadas. Até agora, não abriu a boca e nem dá sinais de que irá fazê-lo.

É bom lembrar que, em época de eleição, com a corda no pescoço, nem os candidatos das melhores famílias prestam muita atenção na origem do dinheiro que entra. Sabe-se também que o então tesoureiro não repassou recursos apenas para as candidaturas do Campo Majoritário. Outras tendências do PT, além de partidos diversos, também beberam desta água.

Ninguém se espante, portanto, com os elogios ao Delúbio ouvidos aqui e ali na reunião do diretório deste fim de semana.