Título: Caras-pintadas mudam o tom 13 anos depois
Autor: Leticia Helena
Fonte: O Globo, 04/09/2005, O País, p. 14

Jovens que foram às ruas para derrubar Collor lamentam que escândalos de corrupção ainda aconteçam no país

Eles já pintaram o rosto de verde, azul, amarelo e branco. Hoje, talvez, preferissem o vermelho. De vergonha ou indignação: 13 anos depois de tomarem as ruas do país, ajudando a fortalecer o movimento pelo impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, os caras-pintadas de 1992 se mostram perplexos com as denúncias de corrupção no governo Lula. Mais ainda porque atingem justamente um partido, o PT, e autoridades que, lá atrás, também engrossavam as fileiras da ética na política.

¿ Ir para as ruas contra Collor foi mais natural, porque ele já não contava com o apoio da classe média ¿ diz o advogado Theo Abreu, de 31 anos, que, em 1992, integrava o grêmio do colégio São Vicente de Paulo, um dos mais tradicionais da Zona Sul do Rio. ¿ Com Lula é diferente e, talvez, as pessoas estejam receosas de protestar. De qualquer forma, isso tudo causa muito tristeza. E, infelizmente, não será a última vez que vamos ouvir falar de corrupção.

Para dona-de-casa, país ¿melhorou um pouquinho¿

Da geração cara-pintada saíram muitos jovens que hoje, de uma forma ou outra, estão ligados a partidos e governos. O melhor exemplo é o do prefeito de Nova Iguaçu, Lindberg Farias (PT), que, em 1992, era presidente da União Nacional dos Estudantes. Na multidão, porém, também havia gente como a dona-de-casa Ingrid Macedo de Souza, de 29 anos. Casada, mãe de dois filhos, ela sequer guardou fotos do período em que cabulava as aulas do curso normal para protestar contra Collor.

¿ Com o passar dos anos, percebi que era tudo a mesma coisa. O Brasil até melhorou um pouquinho, mas a escola pública e a saúde continuam horríveis. Tiramos o Collor e, agora, de onde menos se esperava, surgem esses escandâlos. No fim das contas, mudam os políticos e continua a roubalheira ¿ diz Ingrid.

O historiador Renato Motta Rodrigues da Silva, de 34 anos, também lamenta que o país esteja novamente envolvido numa crise política. Em 1992, com 21 anos, ele fazia pré-vestibular e, impressionado com a efervescência política da época, foi às ruas pedir a saída de Collor. Hoje, não se arriscaria a engrossar os movimentos contra Lula.

¿ Em 1992, o movimento estudantil teve papel importante no desfecho da crise. O contexto hoje é diferente. É muito mais difícil ir às ruas contra Lula do que foi contra Collor. A UNE e a UBES não são institucionalmente contra o presidente e os caras-pintadas de hoje não têm a mesma força. Além disso, há pessoas que, como eu, ainda acreditam em Lula ¿ afirma Renato.

Mudar forma de fazer política é a lição

Acreditam por um fio, diria a futura médica Carolina Mattoso de Faria, de 25 anos. Cara-pintada precoce ¿ foi para as ruas com os pais antes de completar 12 anos ¿ ela também aposta na inocência de Lula, mas teme que essa percepção caia por terra. Para Carolina, talvez seja a hora de aproveitar a crise para construir um novo ideário político.

¿ Desde pequena, meus pais me ensinaram que, unidos, podíamos mudar o Brasil. Por isso, quando surgiram os caras-pintadas, quis participar e eles foram comigo ¿ lembra a moça. ¿ Pois bem, derrubamos o presidente. Mas e daí? Fizemos um país melhor? Acho que não. Duvido que Lula seja corrupto, mas o X da questão não está aí. Talvez seja essa a lição: mais do que substituir um político por outro, é preciso mudar a forma de fazer política.