Título: URUGUAI: ESQUERDA TERÁ MAIORIA NO CONGRESSO
Autor: Janína Figueiredo
Fonte: O Globo, 01/11/2004, O mundo, p. 34

Tabaré Vázquez é eleito presidente com 50,69% dos votos. Coalizão da Frente Ampla terá poderes inéditos

BUENOS AIRES e BRASÍLIA. A vitória do líder socialista Tabaré Vázquez nas eleições presidenciais de domingo, no Uruguai, foi confirmada ontem pelo Tribunal Eleitoral do país. Pelos dados preliminares, o candidato da coalizão Encontro Progressista/Frente Ampla/Nova Maioria venceu o primeiro turno com 50,69% dos votos. Em segundo lugar, ficou o senador Jorge Larrañaga, do Partido Blanco (ou Nacional), com 34,06% dos votos. O candidato do Partido Colorado, Guillermo Stirling, ficou em terceiro lugar, com apenas 10,32% dos votos.

O resultado definitivo só será anunciado entre amanhã e quinta-feira. Para ser eleito no primeiro turno, Vázquez precisava conseguir 50% mais um dos votos.

¿ Foi uma vitória apertada, mas histórica. Depois de 174 anos de governos colorados, com alguns governos blancos intercalados, a esquerda chegou ao poder. Há 50 anos, nenhum candidato alcançava mais de 50% dos votos ¿ disse ao GLOBO Gerardo Caetano, diretor do Instituto de Ciência Política da Universidade da República.

Amigo de Lula, Vázquez deve melhorar relações com Brasil

Segundo ele, Vázquez será um dos presidentes com maior poder das últimas décadas. Além de ter conquistado a Presidência do país, a coalizão esquerdista passará a ter maioria em ambas as câmaras do Congresso. De um total de 99 deputados, a Frente Ampla aumentou sua bancada de 40 para 53 deputados. No Senado, o novo presidente uruguaio terá uma bancada de 17 de um total de 31 senadores.

¿ A Frente Ampla e uma ala mais moderna do Partido Nacional ampliaram de forma expressiva sua presença. Já o Partido Colorado terá apenas três senadores e dez deputados, o pior resultado de sua História ¿ explicou Caetano.

Um dos senadores colorados será o atual presidente, Jorge Batlle, de 77 anos. Seus colegas de bancada serão o ex-presidente Julio Maria Sanguinetti, de 66 anos, e Juan Justo Amaro, de 75 anos.

¿ São os dinossauros da política uruguaia ¿ brincou o analista político.

Ontem, o dirigente da coalizão esquerdista Héctor Lescano assegurou que Vázquez poderia convocar representantes de outros partidos, sobretudo do Partido Blanco, para integrar o novo governo. O novo presidente vai assumir o mandato em março de 2005.

O governo brasileiro recebeu com alegria a vitória do socialista Tabaré Vázquez. Segundo fontes do Itamaraty e do Palácio do Planalto, a vitória de Vázquez, que é amigo do presidente Lula, pode significar o fim de uma série de aborrecimentos que os uruguaios vêm trazendo ao Mercosul.

¿ As perspectivas são as melhores possíveis ¿ comemorou um experiente negociador brasileiro.

Impasses no Mercosul podem ser superados

O governo brasileiro espera contar com o Uruguai para fortalecer a aliança estratégica já estabelecida com o presidente argentino, Néstor Kirchner.

¿ Precisamos arrumar a casa no Mercosul ¿ disse um assessor do Palácio do Planalto.

Brasil e Uruguai vivem diversos impasses. Um deles trata das eleições para a diretoria-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC). Para neutralizar a investida de Pérez del Castillo, candidato uruguaio, o Itamaraty decidiu lançar a candidatura do embaixador Seixas Corrêa, representante do país na OMC, em Genebra, na Suíça.

Entre os argumentos do governo brasileiro contra Del Castillo, um deles é que o Uruguai não entrou no G-20 ¿ grupo de países liderados por Brasil, China e Índia, contrários aos subsídios agrícolas nas negociações da OMC. Além disso, a atuação de Del Castillo à frente do conselho-geral da OMC vem deixando a desejar.

Os uruguaios recentemente assinaram um acordo bilateral com os EUA que inclui regras para investimentos. Essa atitude, nos bastidores, irritou o governo brasileiro, já que uma das dificuldades nas negociações para a Área de Livre Comércio das Américas (Alca) é a pressão dos americanos pela abertura, entre outras áreas, do setor de investimentos.