Título: No Nordeste, gás vira artigo de luxo e sertanejo recorre a lenha e carvão
Autor: Monica Tavares e Patricia Eloy
Fonte: O Globo, 04/09/2005, Economia, p. 29

Lavradores estão adaptando o fogão tradicional aos novos combustíveis

ARCOVERDE (PE). Cada vez mais caro ¿ o botijão chega a R$37 na área rural do Nordeste ¿ o gás liquefeito de petróleo (GLP) virou artigo de luxo no sertão. O número de pessoas residentes em sítios e vilarejos que recorrem à lenha e ao carvão aumenta a cada dia, confirmando a pesquisa baseada no Balanço Energético do governo, segundo a qual o consumo doméstico de lenha vem crescendo nos últimos cinco anos. Há até os que adaptaram o fogão a gás para a queima de carvão, substituindo queimadores tradicionais por rústicos fogareiros.

Em três municípios visitados pelo GLOBO, a explicação foi a mesma: falta dinheiro para comprar gás. Alguns lavradores têm fogão industrializado, mas o reservam para situações como o preparo de chá, de madrugada, quando alguém está doente.

É o caso da agricultora Maria Gomes Porto, 60 anos, residente no Sítio Coqueiro, município de Arcoverde, a 260 quilômetros de Recife. Ela tem três fogões: o de tijolo queima lenha; outro, presente do marido, utiliza carvão; e o terceiro, a gás, foi comprado a prestação e é usado apenas em emergências.

¿ O gás está muito caro, ninguém pode comprar. Aqui é assim: quando o mato está seco, a gente usa lenha colhida no sítio, que não custa nada. Em dia de chuva, usamos o carvão, porque a madeira molhada não faz fogo. O gás fica só para quando tem doente na família ¿ afirma Maria, viúva há cinco meses.

Saco de carvão custa um quinto do preço do botijão

As filhas de Maria, casadas, adotam o mesmo sistema:

¿- Fogão a gás é luxo de rico. O botijão daqui está com cinco meses e deve completar seis ¿ prevê Lucreilda da Silva Porto, 42 anos, filha de Maria.

Se um botijão custa em média R$35, um saco de carvão não sai por mais de R$7. Dependendo do tamanho da família, pode durar mais de quinze dias, afirma Expedito Gomes de Almeida, presidente do Sindicato de Trabalhadores Rurais de Arcoverde. Ele lembra que os pequenos agricultores vivem da lavoura de subsistência, e o que colhem nem dá para vender na feira.

Que o diga Jamildo Luís da Silva, residente no Sítio Malhada da Pedra, localizado a 196 quilômetros da capital. Pequeno agricultor, na última quinta-feira, conduzia uma carroça pela BR 232, com um carregamento de lenha verde.

Na família de Claudinélia Conceição Silva, de 25 anos, residente no Sítio Fortaleza, em São Benedito do Sul, o gás só é usado quando chove e a madeira fica molhada. O engenheiro florestal Paulo Santos, do Ibama, informa que a lenha é a segunda fonte de energia no Nordeste, perdendo apenas para a eletricidade.