Título: Um país movido a lenha
Autor: Monica Tavares e Patricia Eloy
Fonte: O Globo, 04/09/2005, Economia, p. 29

Mais de 40% da energia consumida nos lares brasileiros vêm da madeira e do carvão

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¿ Não sobra para o gás, e a lenha sai de graça. Com o dinheiro, compro remédios para a minha mãe, roupas e livros para os meus filhos. Meu pai pega a lenha numa mata perto de casa. Só uso o fogão a gás quando chove e a lenha fica molhada.

Usar a lenha em substituição ao gás de cozinha é mais comum do que parece. Em pleno terceiro milênio, as fontes alternativas de energia representam mais de 40% do consumo dos lares brasileiros. A principal causa é o alto custo da eletricidade e do botijão de gás. Dados do Boletim Energético Nacional (BEN) de 2004, publicados pelo Ministério de Minas e Energia, mostram que a lenha tem a maior participação no consumo total de energia residencial no Brasil, 37,7%, na maioria das vezes como complemento ao gás de cozinha. Já o carvão vegetal é usado por 2,4% dos lares.

O querosene que alimenta lamparinas representa apenas 0,1% do consumo residencial de energia. O percentual já foi de 0,6% em 1996. Nos anos que refletem os impactos do racionamento, em 2001 e 2002, o consumo chegou a 0,3%.

Botijão aumentou 622% em dez anos

Enquanto o custo desses combustíveis é praticamente zero (caso da lenha) ou muito baixo, as fontes modernas vêm registrando fortes reajustes ao longo dos últimos dez anos. De janeiro de 1995 a julho de 2005, a inflação medida pelo IPCA ficou acumulada em 144,07%. No mesmo período, o botijão de gás teve uma alta de 622,82% e a energia elétrica, de 389,74%. Os registros do governo mostram que o GLP representa 27,3% da energia consumida nos lares brasileiros e a eletricidade, 31,6%.

Especialmente no caso da lenha, Adriano Pires, consultor do Centro Brasileiro de Infra-estrutura (CBIE), aponta três fatores que motivaram a troca: o empobrecimento da população, o aumento do peso dos impostos no preço do botijão e a rigidez do Vale-gás, distribuído pelo governo para a população de baixa renda e que não é reajustado desde sua criação. Com o orçamento apertado, a população encontrou formas alternativas de cozinhar e ter luz em casa.

Esta substituição não necessariamente deve ser associada à pobreza, na opinião do governo. O Ministério do Meio Ambiente entende que o uso da lenha como fonte de energia pode representar um atraso apenas se ela for explorada de forma indiscriminada. Se o uso for planejado, será uma fonte importante para países em desenvolvimento, segundo ambientalistas, gerando riqueza e renda.

¿ Temos que eliminar a idéia de que a lenha é sinal de pobreza. O uso é uma questão de oportunidade. EUA, Finlândia e Suécia usam a lenha para aquecimento ¿ diz o diretor de Florestas do Ministério, Tácio Azevedo.

A classe média, por exemplo, descobriu a madeira e o carvão vegetal como combustíveis. Moradora de Sobradinho, a 30 km de Brasília, a estudante de Letras Kelcy Mara Filgueira, 35 anos, mãe de quatro filhos, usa o fogão a lenha nos fins de semana para cozinhar à beira da piscina. São utilizados no país 300 milhões de metros cúbicos de madeira por ano. Metade vira lenha para consumo residencial, de olarias e padarias. Os outros 150 milhões são consumidos pelas indústrias, principalmente na secagem de grãos.

O consumo da lenha, por ser um recurso renovável e que gera emprego e renda nas localidades, deveria inclusive aumentar, entende Azevedo. Ele conta que, se em uma pequena propriedade for plantado um quarto de hectare de madeira, produz-se lenha suficiente para o consumo de uma família:

¿ O interessante da lenha é que os gastos com energia, que normalmente são altos, podem ser apropriados localmente. É um combustível produzido na própria região.

O consumo de lenha no Brasil ainda é muito baixo se comparado ao de outros países em desenvolvimento: cerca de 1 a 1,5 metro cúbico por habitante/ano. O consumo na Tailândia, por exemplo, é de 8 a 9 metros cúbicos habitante/ano, por exemplo.

A região de maior consumo da lenha, cerca de 30%, é o Nordeste. No Centro-Oeste, o produto é usado para a secagem de grãos. No Norte, a lenha é usada essencialmente para cozinhar. No Sul, é utilizada para secagem de erva mate, de outros produtos agrícolas e para aquecimento. O governo está trabalhando junto a cem comunidades no Nordeste em planos de manejo. Elas cortam a Caatinga, usam a lenha e replantam a madeira, gerando emprego e renda.

Mas o uso doméstico está longe de ser privilégio de lugares isolados. Todos os dias a dona-de-casa Maria Salete Eduardo, 62 anos, por exemplo, cozinha no fogão a lenha para oito pessoas. E ela mora na Vila Planalto, bairro de Brasília que fica a um quilômetro dos palácios do Planalto e da Alvorada, onde trabalha e reside oficialmente o presidente da República. Valendo-se da brasa, ela consegue economizar, e o botijão de gás dura 20 dias. A lenha é recolhida num carrinho, em obras próximas:

¿ A comida fica mais gostosa.

A mais de mil quilômetros dali, em Petrópolis, a caseira Maria Cremilda Corrêa também usa o fogão a lenha:

¿ Eu e minha mãe usávamos dois botijões a cada 40 dias. Já com a lenha o gasto é de R$100 para as duas famílias, mas dura cinco meses.

NO NORDESTE, GÁS É ARTIGO DE LUXO na página 30