Título: Na linha de tiro
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 06/09/2005, O Globo, p. 2

A investida da oposição contra o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, informa que ainda há muito combustível a ser queimado na crise. A tentativa de removê-lo da presidência da Câmara, primeiro com um ultimato e depois com uma ameaça de pedido de cassação, reflete a preocupação de uma parte dos deputados com a imagem do Legislativo. Para os governistas, atende também aos que ainda pensam no impeachment de Lula, retirando-lhe uma proteção significativa.

O depoimento do empresário Buani, desmentindo as afirmações da revista ¿Veja¿ de que seria pagador de um mensalinho de R$10 mil a Severino em troca da licença para explorar o restaurante da Câmara, enfraquece o movimento de PFL, PSDB, PV e PPS. Mas mesmo depois disso, líderes da oposição mantinham a disposição de representar contra Severino no Conselho de Ética. A investida precedeu a denúncia, tomou força com as declarações de Severino na semana passada, defendendo penas diferenciadas para os deputados envolvidos com o escândalo do mensalão. Trombando de frente com a opinião pública que clama por punição, candidatando-se ao papel de pizzaiolo, Severino tornou-se o alvo dos congressistas empenhados em restaurar a credibilidade do Legislativo, que têm Fernando Gabeira como porta-voz. Mas os governistas vêem na investida também um movimento para tornar Lula mais vulnerável a um posterior pedido de impeachment. Tanto é que, mesmo fugindo à irônica tarefa de defender Severino ¿ que se elegeu com a ajuda da oposição derrotando o candidato petista ¿ o PT e os partidos governistas não se integraram ao movimento da oposição.

¿ Isso mostra que o governo está lendo tudo errado. O fato é que Severino não tem mais condições morais de presidir a Câmara. Ninguém está falando em impeachment. Nem é verdade que seu afastamento levaria à posse de Nonô, que daria passagem a um processo contra o presidente. Se empossado, no prazo de cinco sessões ele presidirá à eleição de um novo presidente pelos deputados ¿ diz o líder da minoria, o pefelista José Carlos Aleluia.

José Thomás Nonô, do PFL, é o primeiro vice-presidente da Câmara. Em caso de cassação de Severino ocorreria mesmo nova eleição. Mas em caso de mero afastamento enquanto durassem as investigações ¿ necessidade reforçada pelo fato de o corregedor ser um pupilo de Severino, o deputado Ciro Nogueira ¿ Nonô ficaria um bom tempo no cargo, com todos os poderes.

No dia 15 de agosto, quando tirou o impeachment de pauta, a oposição alegou três inconvenientes: a popularidade ainda alta de Lula, a ausência de regulamentação para a eleição indireta de um novo presidente pelo Congresso e, no dizer do presidente do PFL, Jorge Bornhausen, ¿o poder monocrático de Severino¿. A popularidade já caiu e deve cair mais. E quanto à eventual eleição indireta do sucessor, Bornhausen já disse ter ouvido de juristas que existe uma lei para tal situação. Foi usada em 1964 na eleição de Castello Branco. Já o poder monocrático de Severino lhe permite engavetar qualquer pedido de processo contra Lula.

Para levar em frente o pedido de cassação, a oposição precisará reunir indícios mais sólidos contra Severino, agora que o suposto pagante da propina nega tê-lo feito.