Título: SOB SUSPEITA
Autor:
Fonte: O Globo, 06/09/2005, Opiniao, p. 6

Desde que foi eleito presidente da Câmara dos Deputados, em fevereiro, Severino Cavalcanti protagoniza situações embaraçosas para a Casa, a própria imagem da política e da democracia representativa brasileira.

Vencedor num pleito em que o principal cabo eleitoral foram a incompetência do PT e mais um surto de oportunismo da oposição, Severino, reconheça-se, tem sido coerente com a filosofia do baixo clero da Câmara, de que é líder. Ou seja, sempre buscar o acesso mais fácil à maior quantidade possível de dinheiro público, com objetivos fisiológicos e corporativistas.

Em sete meses de poder, Severino deu sucessivas demonstrações dessa coerência. Mas agora, com a denúncia de que teria cobrado um ¿mensalinho¿ de R$10 mil do empresário Sebastião Buani, para deixá-lo com a concessão de um dos restaurantes da Câmara, os malefícios de Severino para o Congresso e a política mudaram de patamar.

O presidente até agiu corretamente ao pedir ao Tribunal de Contas da União e à Polícia Federal que investiguem o caso. Mas a sua inquietante folha corrida e a coincidência da denúncia com a crise política aconselham o presidente da Câmara a atender aos apelos dos partidos de oposição ¿ que devem estar se penitenciando por tê-lo apoiado no início do ano ¿ e afastar-se espontaneamente do cargo enquanto se elucida a denúncia.

Severino defende-se acusando o empresário de chantageá-lo por causa de uma dívida que este tem com a Câmara. Se isso ficar provado, Severino reassumiria o cargo. Caso se confirme o ¿mensalinho¿, não haverá alternativa a não ser encaminhar o caso ao Conselho de Ética ¿ evitando-se, por óbvio, a Corregedoria, controlada por um afilhado de Severino, o deputado Ciro Nogueira, do PP, como seu líder.

No meio da tarde de ontem, já se informava que Severino não aceita deixar a presidência durante as investigações. Com isso, prova mais uma vez não ter estatura para o cargo. Sua permanência aumenta a tensão política na Câmara, hoje toda voltada para um difícil processo de cassação de vários deputados, que precisaria ser presidido por alguém acima de qualquer suspeita. Não é o caso.