Título: SERRA APOSTA EM ENTENDIMENTO COM LULA
Autor: Flávio Freire
Fonte: O Globo, 01/11/2004, O País, p. 8

`Estou confiante na normalidade da relação, que vai ser de responsabilidade mútua e recíproca¿, diz prefeito eleito

SÃO PAULO. Dois anos depois da derrota na eleição presidencial, o prefeito eleito de São Paulo, José Serra (PSDB), acenou ontem com bandeira branca para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Após uma campanha marcada pelo discurso do PT de que, se eleito, Serra não teria respaldo do governo federal, o tucano mostrou tranqüilidade ao comentar sua futura relação com o governo Lula:

¿ Temos certeza de que o governo do presidente Lula continuará sua relação com São Paulo em função do interesse público. Estou confiante na normalidade dessa relação, que vai ser de responsabilidade mútua e recíproca.

Serra disse que pretende ter uma conversa com Lula para apresentar os problemas da cidade.

¿ Creio que não terei dificuldade de tratar com ele problemas de nossa cidade. Não há dificuldade alguma, pelo contrário, será um prazer. Sempre mantive com Lula relações muito cordiais, que serão mantidas pelo meu lado e pelo dele.

Serra, no entanto, disse ontem que ¿a confiança venceu o medo¿ e que governará sem misturar interesses da administração com questões partidárias. O discurso foi um recado para a adversária Marta Suplicy (PT), que passou a campanha dizendo que o tucano, se vitorioso, não teria respaldo do governo federal.

O discurso serviu de recado ainda para o Lula, que, em 2002, ao vencer o tucano, adotou o slogan: ¿A esperança venceu o medo¿. O discurso de Lula, por sua vez, era resposta às declarações da atriz Regina Duarte, na campanha tucana, de que tinha medo de um eventual governo do PT.

¿ Nessa eleição, a confiança venceu o medo. O eleitor fez prevalecer a sua confiança em relação ao medo porque sabe que os problemas da cidade são complexos. A população votou apesar das ameaças infundadas de que, caso não ganhasse a candidatura situacionista, o governo federal afastaria de suas obrigações a relação com São Paulo. Mas temos certeza de que o governo do presidente Lula continuará sua relação com a cidade em função do interesse público.

Discurso de olho no plano federal

Dizendo ter recebido o resultado com a humildade proporcional à altivez da derrota presidencial, Serra abriu o discurso direcionando-o para o plano federal. De cara, lembrou, por exemplo, que o PSDB não hesitou em votar, no Congresso, reformas propostas por Lula. E que a decisão de 2002 não foi de um partido, "mas do povo brasileiro". Em seguida, falou sobre o uso de dinheiro público:

¿ O eleitor vem nos lembrar que dinheiro público é do público e que precisa ser empregado em função do interesse público. Essa eleição foi baseada em valores, e não estou sendo general depois da batalha nem engenheiro de ponte construída. Quem é eleito, é eleito para servir a população, e não para mandar.

O tucano retomou a discussão sobre o que ele considera como dificuldade do PT em lidar com a alternância do poder. Para Serra, que no discurso citou o historiador francês Alexis de Tocqueville para falar sobre liberdade e coragem, São Paulo não pode ser governada com oposição que prega o ¿quanto pior, melhor¿.

¿ Democracia é sempre a possibilidade de alternância. A vontade popular pode até decidir pela continuidade, mas também pela mudança. Queremos, portanto, dentro dessa perspectiva, onde se deve perder com altivez e ganhar com humildade, que governemos São Paulo sem a oposição do quanto pior, melhor.

Serra disse esperar essa conduta tanto do PT como de todos os partidos que perderam a eleição. O prefeito eleito acrescentou que cumprirá o mandato de quatro anos na prefeitura, afastando a possibilidade de disputar o governo do Estado ou à Presidência da República em 2006. Perguntado sobre o fim das taxas de luz e de lixo, respondeu:

¿ Vamos ter a possibilidade de conhecer mais a fundo a estrutura dessas taxas. A de lixo está no orçamento do ano que vem e vamos preparar sua eliminação ao longo do ano.

Em entrevista à Rádio CBN, o presidente da Câmara, o vereador petista Arselino Tatto, disse que agora o PT vai trabalhar na Câmara para acabar com a taxa de luz, já que o eleitor, ao derrotar Marta, mostrou-se contrário às taxas.

¿ Não acredito que o PT opte pelo caminho do terrorismo e da chantagem. Acredito que o PT tenha valores melhores do que os que se manifestaram na campanha ¿ respondeu Serra.

Serra e os dirigentes do PSDB cobraram ontem do PT que a transição do governo municipal transcorra no mesmo padrão da última eleição presidencial, em 2002, ocasião em que o tucano Fernando Henrique permitiu que assessores de Lula tivessem informações sobre dados do do governo tucano. Serra disse esperar do PT a "mesma fidalguia e lealdade" adotadas pelo ex-presidente.

¿ A expectativa é termos um mecanismo de transição que foi tão bem sucedido no caso federal, quando o governo do presidente Fernando Henrique abriu todas as informações, inclusive com medidas que estava tomando, sempre com muita fidalguia e lealdade, pensando no povo brasileiro ¿ disse Serra, que ontem deixou a cidade para descansar alguns dias.

Um dos coordenadores da campanha e apontado como possível secretário de governo na nova gestão, o deputado federal Walter Feldman (PSDB-SP), pediu transparência:

¿ Precisaremos de informações claras sobre os projetos sociais, subsídios dos transportes, o tamanho do bilhete único, restos a pagar. Esperamos que a opacidade dos números agora se transforme em transparência.

Sem especular sobre secretários

O ex-chefe da Casa Civil de Fernando Henrique Clovis Carvalho, apontado como um possível gerente na gestão tucana, deve comandar o processo de transição pelo PSDB. Cotado para integrar o governo de Serra, o deputado Aloysio Nunes Ferreira disse esperar "comum acordo" entre os dois partidos.

¿ O padrão deve ser o de quem aceita a alternância do poder e as regras do jogo.

Além desses nomes, comenta-se que Serra poderá ter em sua equipe nomes como o ex-ministro Adib Jatene, o ex-secretário de Saúde de Marta Eduardo Jorge, o prefeito de Vitória, Luiz Paulo Velloso Lucas e o ex-ministro Andrea Matarazzo. Ao ser perguntado sobre secretariado, o prefeito eleito foi irônico.

¿ Se você tiver alguma idéia, me manda. Ainda não pensei nisso ¿ desconversou o tucano.