Título: 'Não estou preocupado. Vou cumprir minha agenda inteira em Nova York'
Autor: Helena Celestino
Fonte: O Globo, 07/09/2005, O País, p. 4

Abatido, Severino chega aos EUA e não fala sobre as denúncias contra ele

NOVA YORK. Achando-se um estadista em missão no exterior, o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, desembarcou em Nova York anunciando que não falaria de política doméstica. Mas não tinha muitos comentários a fazer sobre política externa e acabou comentando rapidamente a crise no Brasil. Foram as primeiras declarações públicas desde que explodiram denúncias de pagamento de um mensalinho em troca da renovação do contrato para explorar um restaurante da Câmara.

- Não estou preocupado - disse, repetindo as informações de seus assessores de que jamais cogitara cancelar a viagem a Nova York, apesar de deputados de cinco partidos estarem pedindo seu afastamento da presidência da Câmara.

- Não tem mais nada, o empresário já disse - afirmou, referindo-se ao depoimento do empresário Sebastião Augusto Buani, na segunda-feira, de que não pagara propina a Severino.

Era bem cedo e o presidente da Câmara achava que as denúncias contra ele não estavam se confirmando e confiava que as declarações feitas na véspera por Buani dissipariam a crise.

- Está tudo terminado - repetiu.

"Acredito em São Severino"

A comemoração foi antes de a sua situação se agravar com o documento divulgado ontem e o depoimento de Izailton Souza, ex-funcionário de Buani, que confirmou o pagamento da propina. Ao lado de Severino, dona Amélia estava mais falante:

- Conheço meu marido, é uma pessoa íntegra. A verdade vai prevalecer. Acredito em São Severino e Nossa Senhora.

Os primeiros minutos de Severino em Nova York foram passados com o ouvido colado no celular para saber notícias do Brasil. Os assessores já tinham um relatório com as principais manchetes da edição de ontem dos jornais mas o presidente da Câmara não comentou a carta dos deputados de cinco partidos pedindo seu afastamento.

- Não estou preocupado. Vou cumprir minha agenda inteira em Nova York - disse.

No primeiro dia, os compromissos de Severino limitaram-se a um café da manhã na casa do embaixador Ronaldo Sardenberg, chefe da missão do Brasil na ONU. Com dona Amélia, o deputado José Thomaz Nonô, diplomatas brasileiros e assessores, o presidente da Câmara passou pouco mais de uma hora conversando amenidades com Sardenberg e a mulher. Trocaram receitas sobre comidas para diabéticos, problema comum a Severino e ao embaixador. Sobre as denúncias, ele apenas comentou que estava aborrecido com os jornalistas e que pretendia processar a revista "Veja".

- Não se fala de corda em casa de enforcado. Por delicadeza, não se conversou sobre política e sobre a situação atual - disse um dos comensais.

A comitiva de Severino embarcou num belo Chrysler 3000 bege, seguida de uma van - os dois carros com um papel colado no pára-brisa, à guisa de identificação dos visitantes, com o nome "Câmara dos Deputados" escrito em português, numa cidade onde o inglês é a língua falada. Chegaram ao Hemesly Park Lane, um hotel cinco estrelas de frente para o Central Park, onde os deputados ficarão hospedados até sexta feira com diárias pagas pela Câmara - entre US$250 e US$450, dependendo do apartamento. É um belo prédio, cheio de tapetes vermelhos e lustres de cristais, numa das melhores áreas de Nova York, com uma vista deslumbrante para o parque e a menos de uma quadra da Quinta Avenida. Severino e dona Amélia, os dois dizendo-se muito cansados, subiram dizendo que só queriam dormir e que não estavam pensando em compras.

- Estamos muito cansados. Toda hora a gente está aqui, fazemos compras numa outra vez - disse dona Amélia.

Sem ser explícita, dona Amélia estava se referindo ao cansaço e ao abatimento de Severino, causados pelas denúncias. Ele mesmo explicou que desta vez não estava disposto a repetir a cena da Itália, quando convidou jornalistas para o seu quarto às três da manhã. No avião que o levara a Nova York, a aeromoça achou que ele estava com ar deprimido porque não conversou.

- Mas vou falar mais tarde sobre o meu discurso na conferência - prometeu Severino.

Hoje à tarde começa a agenda oficial de Severino: ele oferece um almoço aos presidentes de parlamentos da União de Países de Língua Portuguesa, na ONU e, mais tarde, assiste à abertura da II Conferência Mundial de Presidentes de Parlamentos, onde vai discursar por quatro minutos na sexta-feira.

À noite, Severino saiu para jantar e foi indagado sobre as afirmações de Izailton confirmando a propina:

- Não vou falar. Não vou ficar alimentando esse tipo de crise daqui.

Perguntado se assinou o documento, disse:

- Não respondo. Vou fazer uma reunião com assessores amanhã (hoje) e respondo só no Brasil.

- Severino tem um antecedente: Odorico Paraguassu também foi à ONU - disse o senador Arthur Virgílio (PSDB), que viajou no avião de Severino, está no mesmo hotel e participará como observador da mesma conferência, mas diz que se manterá afastado dele.

Ao saber das ameaças de Severino de pedir a cassação de deputados se continuassem tentando afastá-lo da presidência da Câmara, Virgílio rebateu:

- Temos um presidente da Câmara que se dá ao direito de ameaçar com chantagem.