Título: O CARIMBO DA SAÍDA
Autor: Gustavo Goulart/Antônio Werneck
Fonte: O Globo, 07/09/2005, Rio, p. 13

Preso da Polinter também era obrigado a assinar atestado de integridade física ao deixar cadeia

Além de serem obrigados a se responsabilizar pela sua própria integridade física ao ingressar na carceragem da Polinter, na Gamboa, os presos, ao serem soltos, também tinham que assinar um outro documento. Dessa vez, atestando estarem em plenas condições físicas e mentais. Isso sem avaliação médica e depois de terem ficado encarcerados num local fétido, sem sol e espremidos em 21 celas com 1.685 presos, muitos deles doentes. Até o início desta semana, a declaração, sem validade jurídica, era carimbada no alvará de soltura do detento.

As duas declarações foram abolidas pelos responsáveis pela carceragem da delegacia depois da denúncia publicada pelo GLOBO no domingo passado.

Os dois textos, que constam de carimbos, existem desde a década de 90 e continuaram a ser usados na gestão do delegado Álvaro Lins, atual chefe de Polícia Civil, na Polinter. O texto da declaração que o preso tinha que assinar ao receber o alvará de soltura da Justiça era o seguinte: "Declaro que fui posto em liberdade com todos os meus pertences, em plenas condições físicas e mentais".

'Uma fábrica de doentes', diz dossiê

Para atender aos mais de 1.600 presos, a Polinter conta só com um médico, Ary Chamme, que visita a delegacia apenas uma vez por semana, segundo o subchefe da carceragem, Ricardo Reis. Um relatório da Comissão de Direitos Humanos da Assembléia Legislativa (Alerj), baseado numa inspeção feita em maio na carceragem da Polinter, dá o tom da situação caótica em que vivem os presos.

"Não é raro verificar em uma cela a presença de um preso doente portador de tuberculose, pneumonia ou meningite. Existem inúmeros relatos de presos que, ao ingressarem na Polinter, eram saudáveis e pouco tempo depois adquiriram doenças, tendo alguns inclusive falecido, como é o caso do preso Josias Fernandes da Silva, falecido dia 09/04/05 de meningite, conforme relatório do Sr. Paulo Cesar (Andrade), chefe da custódia, anexo a este relatório (...) A DC Polinter é hoje uma fábrica de doentes, aqueles que entram saudáveis, se saem vivos, saem doentes", diz um trecho do relatório elaborado pelos deputados Alessandro Molon (PT) e Geraldo Moreira (PSB), respectivamente membro e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Alerj.

Informado pelo GLOBO do novo carimbo, o corregedor de Polícia Civil, delegado Paulo Passos, disse que vai anexar o documento ao inquérito 086/05, que apura o uso da declaração em que os presos se responsabilizam por sua integridade física.

- Não tem médico para verificar a saúde dos presos. Isso já foi levado a administrações anteriores para que, de alguma forma, encontrassem meios de atestar a saúde dos presos - disse Paulo Passos.

O deputado Paulo Pinheiro (sem partido), presidente da Comissão de Saúde da Alerj, disse que vai cobrar explicações do secretário de Segurança, Marcelo Itagiba.

- Só quem pode assinar isso é um médico com registro no Conselho Regional de Medicina e com base em exame clínico. Vamos entrar em contato com o Cremerj. A situação em que vivem os presos de lá é pior do que a dos doentes da fila do SUS em qualquer lugar. - disse Pinheiro. - É um atestado médico falsificado pelo preso. Vamos pedir ajuda ao doutor Edson Biondi (superintendente de Saúde da Secretaria de Administração Penitenciária) para que auxilie na avaliação médica dos presos que saem. Os doentes que são soltos podem disseminar doenças.

O deputado Alessandro Molon se disse indignado com mais essa situação irregular na Polinter.

- Se até para se demitir alguém se exige exame médico, como é possível que o estado considere dispensável um exame médico quando um preso é solto? Além disso, qual preso, estando prestes a ser solto, se recusaria a assinar uma declaração como essa, mesmo que estivesse gravemente enfermo? É um absurdo. É uma arbitrariedade. Da mesma maneira que a primeira declaração era ilegal, esta carece de legalidade.

Suimei Cavalieri, professora de direito penal e juíza auxiliar da presidência do Tribunal de Justiça, informou que a Lei de Execuções Penais não estabelece exame médico para a soltura do preso.

- É uma invenção moderna. O estado tem que indenizar se ficar caracterizado que o preso sofreu algum dano. É evidente que, assim, pretendem, num esforço inócuo, evitar a responsabilidade civil do estado. A lei não estabelece o exame médico na saída. Seria interessante isso, mas praticamente impossível diante da atual situação. Uma utopia. O inocente não pode ficar nem um minuto preso. Os presos são examinados quando ingressam no sistema. São levados a exame de corpo de delito no IML.

Legenda da foto: UMA DAS 21 celas da Polinter: a carceragem da Polícia Civil na Gamboa tem 1.685 presos que vivem em condições insalubres