Título: Desinventando
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 07/09/2005, O Globo, p. 2

Complicou-se mais a situação do deputado Severino Cavalcanti e fortaleceu-se a disposição da oposição, que ajudou a inventá-lo, para pedir sua cassação. Mas sabe a oposição que, assim como um processo de impeachment requer a existência de um clamor nas ruas, a derrubada de um presidente da Câmara não terá êxito enquanto a idéia não tomar corpo dentro da própria Casa.

Como esta condição ainda não está dada, PSDB e PFL estão adotando mais cautela que o PPS e o PV. A opinião pública, diz o líder tucano Alberto Goldman, está com "gosto de sangue na boca" em relação a Severino. Mas ele acha que o pedido de abertura de processo junto ao Conselho de Ética não deve ser apresentado antes da volta de Severino de Nova York. O líder da minoria, o pefelista José Carlos Aleluia, pondera que é preciso reunir mais forças dentro da própria Casa. De fato, o processo termina no plenário, independentemente do resultado no Conselho de Ética , cujo presidente, Ricardo Izar, foi muito criticado ontem por aliados de Severino. Teria incorrido em prejulgamento ao considerar "muito graves" as denúncias contra o presidente da Câmara. No plenário, Severino ainda tem divisões de defesa não desprezíveis. E não só no baixo clero. O deputado Francisco Dornelles, mesmo achando que as denúncias de cobrança de propina devem ser investigadas a fundo, acredita que o movimento da oposição foi deflagrado pela declaração de Severino pedindo penas diferentes para os deputados acusados de envolvimento com o mensalão:

- A declaração pode ter sido infeliz ou inadequada mas Severino é livre como qualquer outro deputado ou cidadão para externar suas opiniões. A Câmara não pode ter uma central de censura para aprovar ou condenar declarações.

Foram mesmo as declarações que puseram Severino sob o dedo acusador do deputado Fernando Gabeira, agora o ícone do movimento por seu afastamento. Na crise em curso, quem cai na linha de tiro será fatalmente alvejado se tiver algum tipo de rabo de palha. A denúncia de cobrança de propina para manter a concessão do restaurante Fiorela veio horas depois. Murchou com a negativa do dono do restaurante, anteontem, mas voltou a ganhar força ontem com a divulgação, pela revista "Veja", de um documento irregular assinado por Severino. E pela confirmação do suposto mensalinho pelo ex-gerente do restaurante.

A oposição marcha altiva contra Severino e fica indignada com as lembranças de que ajudou a elegê-lo. Atribui a responsabilidade apenas ao PT, que se dividiu e teve dois candidatos. Mas todos os que viveram aquela noite de 14 de fevereiro sabem que parte dos pefelistas e tucanos - com o candidato pefelista José Carlos Aleluia já fora do segundo turno - aproveitou a chance de impor uma derrota ao governo Lula. Mesmo sabendo quem era Severino, deu-lhe parte dos 300 votos que teve. No primeiro turno, Severino tivera apenas 124. Mesmo ficando com os 117 votos do petista Virgilio Guimarães no primeiro turno, não teria chegado aos 300. Chegou porque recebeu pelo menos 59 da oposição, que naquele momento não pensou tanto, como agora, na imagem da instituição.

Dia da Pátria

Tudo pronto ontem na Esplanada para a festa de hoje. Desde domingo, os pais estão levando as crianças para ver os aviões e outros equipamentos das Forças Armadas expostos no gramado. O momento nacional é dos piores mas a data é nacional, não é do governo nem da oposição. O presidente Lula estará no palanque, sem medo de vaias, dizem auxiliares. Terá a seu lado o governador de Brasília, Joaquim Roriz, que, aonde vai, leva sua massa fiel.

Com a festa popular do ano passado, o governo apostou no sentido cívico do evento. O povo tomou a Esplanada, apreciou o desfile e a esquadrilha da fumaça. Mas este ano ela já não terá o glamour que lhe imprimiu Duda Mendonça nem se sabe com que disposição o povo estará.

Também o ensino de História, ao falar da Independência, deixou de lado o romantismo hipócrita. Já no ensino fundamental as crianças de hoje aprendem que D. Pedro I se antecipou aos movimentos populares, lançando mão da coroa antes que o povo a tomasse. E que a Independência começou mesmo lá atrás, com a chegada da família real em 1808, sob o patrocínio da Inglaterra, que enfrentava a expansão francesa de Napoleão.

Desagravo

Uma parte dos tucanos até entrou com o pé atrás no movimento da oposição para derrubar Severino Cavalcanti. Paulistas indignados, entretanto, cobraram solidariedade à memória do ex-ministro Sergio Motta, que Severino acusou, em recente entrevista, de ter comprado votos para aprovar a emenda da reeleição.

ENTREOUVIDO ontem no Itamaraty: as condecorações precisam mesmo ser concedidas com critério, como recomenda o senador Arthur Virgílio. Severino recebeu a Ordem do Rio Branco porque seus pares o elegeram presidente da Câmara. Assim como Fernando Henrique condecorou Fujimori porque fora eleito presidente pelo povo peruano.

Onda verde

O PV quer aproveitar ao máximo a boa onda em que vem surfando na crise. Tendo que cumprir a cláusula de barreira em 2006 (5% dos votos nacionais), terá o deputado Fernando Gabeira como puxador da chapa de deputados federais no Rio. O secretário Alfredo Sirkis disputará o Senado.