Título: ONU: comércio não é panacéia contra pobreza
Autor: Ronaldo Braga/Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 07/09/2005, Economia, p. 21

Relatório cita Brasil como exemplo de excesso de concentração nas exportações agrícolas e critica países ricos

RIO, SÃO PAULO e BRASÍLIA. As enormes desigualdades que são a marca da economia brasileira impedem também que os avanços do país no comércio exterior sejam apropriados pelos mais pobres. A ONU cita o Brasil para destacar que "o rápido crescimento das exportações não é uma panacéia para o combate à pobreza" e lembra que 40% das vendas externas de soja, suco de laranja, frango e carne são feitos por apenas quatro empresas brasileiras.

Enquanto isso, no Brasil - que é o quarto maior exportador agrícola do mundo - mais de 10 milhões de pessoas na zona rural vivem abaixo da linha da pobreza (menos de US$2 por dia). "Essa é a outra face da agricultura brasileira: as cicatrizes da pobreza em massa", diz o texto.

Se o comércio exterior pouco beneficiou os mais pobres, a internacionalização de grandes varejistas, por outro lado, prejudicou pequenos proprietários rurais em diversos países. Mais uma vez, o Brasil é citado: 60 mil produtores de leite de pequeno porte foram deslocados do mercado, na segunda metade dos anos 90, por não atenderem às normas de segurança alimentar de multinacionais ou não resistirem à concorrência de grandes supermercados.

Autor de um estudo recente sobre o padrão concentrador do desenvolvimento agrícola no Brasil, o economista Gervásio Castro de Rezende, do Ipea, lembra que o êxodo rural aumenta a pobreza nas cidades.

- A agricultura deve continuar cumprindo seu papel econômico, mas deve também abrir uma nova frente para a absorção de mão-de-obra.

A ONU ressalta ainda que abertura comercial nem sempre é sinônimo de crescimento econômico. Peru e Brasil, por exemplo, têm tarifas comerciais bem inferiores às de China e outros países do Leste da Ásia, mas cresceram a taxas medíocres nos últimos anos, enquanto o PIB chinês mantém uma expansão anual próxima de 10%.

Perdas chegam a US$72 bi. ONU elogia vitórias do Brasil

O relatório faz uma dura crítica à política comercial dos países ricos. EUA, União Européia (UE), Japão e outros gastam US$1 bilhão por dia em subsídios agrícolas e destinam US$1 bilhão por ano à ajuda para agricultura em países em desenvolvimento. E os subsídios vão para as mãos de fazendeiros considerados ricos mesmo para os padrões de renda dessas nações. A ONU calculou um Índice de Gini - que mede a desigualdade e quanto maior, pior - para os subsídios da UE e chegou a 0,77. Para termos de comparação, o relatório cita o Índice de Gini do Brasil, o oitavo pior do mundo, de 0,593.

As perdas de países em desenvolvimento com o protecionismo agrícola chegam a US$72 bilhões anuais, igual à soma total da ajuda internacional a países pobres em 2003.

Mas, quando se trata de comércio, o relatório também traz menções positivas ao Brasil. A ONU lembra que alguns países emergentes questionaram com sucesso os subsídios na OMC e cita as vitórias brasileiras nas disputas sobre algodão nos EUA e açúcar na Europa.

BALANÇO GLOBAL

DECEPCIONOU

ÁFRICA SUBSAARIANA: Doze países da região tiveram recuo no IDH, desde 1990, devido à epidemia de Aids. Seis ex-repúblicas soviéticas, incluindo a Rússia, também viram seu desenvolvimento humano retroceder.

AVANÇOU

PAÍSES ESCANDINAVOS: Dinamarca, Noruega e Suécia, ao lado de Luxemburgo e Holanda, são os únicos entre os ricos que cumprem a meta de destinar 0,7% de seus PIBs para ajuda internacional.

INCLUI QUADRO: INDIFERENÇA E GANHOS DESIGUAIS [PERDAS COM A AJUDA CONDICIONADA, GANHOS DIFERENTES NO COMÉRCIO]