Título: Brasil é o quinto país mais desigual do mundo em distribuição de renda
Autor: Cássia Almeida/Letícia Lins/Luciana Rodrigues/Ênio
Fonte: O Globo, 07/09/2005, Economia, p. 20

Ele é citado 14 vezes como exemplo de desigualdade entre 177 nações

RIO, RECIFE e BRASÍLIA. Um exemplo a não ser seguido. Ostentando o título de quinto país mais desigual do mundo, o Brasil mereceu 14 citações no Relatório de Desenvolvimento Humano, divulgado ontem pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud), quando o assunto era desigualdade. O Brasil, que aparece com o IDH no 63º lugar entre 177 países acompanhados pelo relatório, cairia para 115ª posição, a mesma da Moldávia, que tem renda per capita de US$1.510, se fosse considerada apenas a renda dos 20% mais pobres. Mesmo mantendo os indicadores médios da população em educação e saúde.

"Quem questiona a importância da distribuição de renda deveria refletir sobre o fato de que os 10% mais pobres do Brasil são mais pobres do que os seus equivalentes no Vietnã", destacou Kevin Watkins, principal autor do relatório.

No Brasil, em 2003, os 10% mais ricos ficaram com 46,9% da renda nacional, enquanto os 10% mais pobres conseguiram apenas 0,7%. Mas já foi pior: em 2002, esse fatia da população consumia apenas 0,5% da renda. Essa diferença põe o Brasil entre os cinco mais desiguais. O Índice de Gini - medida que calcula a distribuição de renda e, quanto mais perto de zero, menos desigual é o país - também escandaliza: ficou em 0,593, mais alto que em 2002, quando foi de 0,591. O número de 2003 é o oitavo pior do mundo.

Transferir 5% da renda tira 26 milhões da pobreza

Segundo Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV), a redução da desigualdade tem um efeito três vezes e meia maior sobre a pobreza do que o crescimento econômico. As contas do Pnud mostram isso. Se fossem transferidos 5% da renda dos 20% mais ricos aos 20% mais pobres do Brasil, a pobreza cairia de 20% para 7% da população, o que representaria menos 26 milhões de pessoas vivendo com menos de US$2 por dia. O economista acredita que o país está caminhando nessa direção:

- Acho que na edição de 2004 da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), que vai sair em breve, veremos um bolo mais bem distribuído e com mais fermento nas classes mais pobres. Isso já aconteceu em 2003.

Essa injustiça social está estampada pelas ruas. Um exemplo é Caranguejo, comunidade que se instalou em um aterro do Rio Capibaribe, no bairro de Afogados, Zona Norte de Recife. São 3.623 pessoas residindo em barracos de madeira, zinco e papelão. Não há rede de esgoto. A esperança de vida melhor passa longe de Zenaide Juscelino de Melo, que tem marido catador de lixo e três filhos com fome para cuidar.

Ela mora em um casebre de pedaços de madeira, com chão de terra batida no qual não há nenhum móvel e apenas uma televisão de segunda mão. Não há privada nem torneira, e a família divide espaço com um pequeno galinheiro que abriga três galos no cômodo principal da residência. Zenaide não tem emprego e a renda mensal da família é de R$5 por dia.

- O que meu marido ganha mal dá para a comida das crianças - diz Zenaide, enquanto amamenta Emanuele (7 meses), e os outros filhos Emerson (de 5) e Audeci (de 3) brincam perto. Subnutridos e doentes, mas sem remédios. - A gente não tem dinheiro.

Bolsa Família é insuficiente, diz economista da UFRJ

Para o economista Mauricio Blanco, do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (Iets), a situação desses moradores de Recife deixa evidente a crise nas metrópoles:

- Sempre se fala da pobreza rural. Mas ela está aumentando nas cidades, com o problema do desemprego e do êxodo rural.

Para Lena Lavinas, professora do Instituto de Economia da UFRJ, a desigualdade brasileira não pode ser combatida apenas com programas de transferência de renda. Ela lembra que o Bolsa Família, apesar de ter aumentado o número de beneficiários, tem um valor entre R$65 e R$70, ou míseros 50 centavos por dia, por pessoa.

- Não há mecanismos redistributivos de fato, como incentivos fiscais e tributários, ou investimentos em serviços universais básicos.

Mas é o caminho que o país deve continuar seguindo, de acordo com a declaração da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Ela disse que só as políticas sociais podem corrigir distorções de renda não resolvidas pelo crescimento econômico.

- As políticas têm que ser focadas, como no Bolsa Família, e ser também universais, como educação.

BALANÇA GLOBAL

DECEPCIONOU

METAS DO MILÊNIO: Cinqüenta países, com uma população total de 900 milhões, vão deixar de cumprir ao menos uma das metas de milênio, que incluem redução de pobreza, acesso à educação e melhoria da saúde, entre outros itens.

AVANÇOU

INCLUSÃO: Desde 1990, 130 milhões de pessoas, em todo o mundo, saíram da extrema pobreza; cresceu em 30 milhões o número de crianças na escola; e 1,2 bilhão ganharam acesso à água tratada.

Legenda da foto: A FAMÍLIA DE Zenaide Juscelino de Melo, de cinco pessoas, vive com apenas R$5 por dia, num cubículo sem água, na Zona Norte de Recife