Título: Renda cai e IDH do Brasil congela
Autor: Cássia Almeida/Luciana Rodrigues/Ênio Vieira
Fonte: O Globo, 07/09/2005, Economia, p. 19

País estaciona no 63º lugar, mas educação e saúde têm ligeira melhora

A estagnação que viveu a economia brasileira em 2003, quando o Produto Interno Bruto (PIB, conjunto das riquezas produzidas no país) variou apenas 0,5% e a renda per capita caiu 0,91%, fez o Brasil estacionar no ranking do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), divulgado ontem pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud). No primeiro ano do governo Lula, o país permaneceu na 63ª posição, a mesma de 2002. O IDH, que reúne dados de educação, saúde e renda, subiu ligeiramente de 0,790 para 0,792, ainda mantendo o país entre os de médio desenvolvimento humano, entre a Romênia e a Rússia. Só quando alcançar mais de 0,80, o Brasil será considerado de alto desenvolvimento.

Apesar de a renda per capita ter caído de US$7.918 para US$7.790, o país avançou na expectativa de vida, que subiu de 70,2 anos para 70,5 anos. Aumentou também a taxa de matrícula em escolas e universidades, de 90% para 91%. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, disse que a redução da renda foi provocada pelo ajuste econômico em 2003.

- Mas o IDH terá um impacto positivo, porque vamos passar de um crescimento do PIB de 0,5% em 2003 para 4,9% em 2004. Isso será combinado com as políticas sociais, que devem melhorar o índice.

Índice menor que o da América Latina

Segundo o economista da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marcelo Neri, o Brasil está reescrevendo a sua história de privilegiar o econômico, em detrimento do social. O Brasil foi um dos países que mais cresceu no século passado, mas os indicadores de escolaridade e de expectativa de vida avançaram proporcionalmente menos, diz ele.

- Agora esta tendência está sendo revertida dado o pífio desempenho econômico das últimas décadas.

O economista acredita que a longo prazo os ganhos educacionais e de saúde levarão ao aumento de renda. Mas teme que os outros países avancem mais rapidamente e o Brasil vá perdendo posições.

O IDH do Brasil continua abaixo do índice médio de 0,797 da América Latina e do Caribe. A média mundial é de 0,741. Segundo o pesquisador do Pnud Ricardo Fuentes, houve uma mudança metodológica no relatório deste ano, com a correção dos números passados. Com isso, o Brasil, que, antes da revisão estava em 72º lugar em 2002, foi para a 63ª posição, a mesma de 2003.

A alteração confundiu pesquisadores que acompanham o IDH. A série histórica foi toda refeita, mas houve países para os quais não foi possível reproduzir os dados anteriores. É o caso de Angola, que perdeu os dados desde 1975:

- Para que um ranking então? Não sabemos mais quando o Brasil esteve no 72º lugar. Temos que começar do zero - reclama o economista Maurício Blanco, do Instituto de Estudos de Trabalho e Sociedade (Iets).

O representante interino do Pnud no Brasil, Lucien Muñoz, lembrou que o relatório deste ano será levado à reunião de chefes de Estado das Nações Unidas na próxima semana. Serão avaliados os avanços rumo às Metas do Milênio. A divulgação do relatório, que normalmente ocorre em julho, foi em setembro para levantar o debate sobre a desigualdade no mundo às vésperas da Assembléia Geral da ONU. Tema que é o fio condutor do relatório de 2005, com o título de "Cooperação internacional numa encruzilhada: ajuda, comércio e segurança num mundo desigual". Lena Lavinas, professora do Instituto de Economia da UFRJ, frisa que o principal autor do relatório, Kevin Watkins, foi trazido pela ONU da Oxfam, uma das ONGs com maior representação na comunidade internacional.

- É um marco novo essa participação de lideranças da sociedade civil. E a reflexão sobre desigualdade muda a forma de pensar as políticas de desenvolvimento.

Três tsunamis em mortalidade infantil

Para reforçar o drama da desigualdade no mundo, Ricardo Fuentes diz que no ritmo atual haverá 47 milhões de crianças fora da escola até 2015 e 360 milhões a mais de pobres. A desigualdade atinge até os EUA, onde a mortalidade infantil chega a 15 por mil entre os negros e é de só cinco por mil na população branca.

- Temos o equivalente a três tsunamis ao mês em mortalidade infantil - disse Fuentes.

A ministra Dilma reforça:

- O desenvolvimento econômico não leva à redistribuição de renda. É o que chamo de efeito Katrina, furacão que atingiu a população pobre dos EUA e mostra a situação num dos países mais ricos do mundo.

BRASIL É O QUINTO MAIS DESIGUAL NO MUNDO, na página 20

Legenda da foto: MOSANIEL Santos, catador de lixo no Rio, ganha menos de um salário-mínimo