Título: PRESENÇA MILITAR NÃO GARANTIU SEGURANÇA
Autor: Jose Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 08/09/2005, O Mundo, p. 18

Após relatos de estupros, Anistia adverte que desabrigados devem ser protegidos

NOVA ORLEANS. Com ar triunfante, o tenente-general Russell Honore afirmou, aos gritos, ao grupo de repórteres que o abordara ontem de manhã: ¿As ruas da cidade estão seguras. Vocês podem circular por aí com tranqüilidade. Não há mais criminosos aqui.¿

Apesar de Nova Orleans estar vivendo sob uma evidente ocupação militar ¿ há cerca de 20 mil soldados na cidade ¿ aquela afirmação do comandante das operações de segurança levou nove dias para se tornar uma realidade.

Curiosamente, à medida que as autoridades assumem o controle da situação vêm surgindo detalhes que mostram sua ineficácia ¿ ou, no mínimo, lenta atitude ¿ no momento em que os residentes da área atingida pelo furacão Katrina mais precisavam delas.

Soube-se ontem, por exemplo, que aconteceram dezenas de casos de estupro dentro do Superdome da Louisiana, o ginásio esportivo no centro de Nova Orleans, onde milhares de sobreviventes se abrigaram, aparentemente, sob cuidados da polícia, do Exército, e da Guarda Nacional. Meninas de até 10 anos foram vítimas de abuso sexual.

¿ À medida que avançamos em nosso trabalho, no campo, conversando com as pessoas transferidas para abrigos em outras cidades, temos ouvido mais e mais casos de abusos e violência em geral ¿ disse a médica Julie Gerberding, diretora dos Centros para Prevenção e Controle de Doenças (CDC, na sigla em inglês).

População em abrigos está mais vulnerável

Tanto a diretora do CDC quanto a Anistia Internacional estão advertindo as autoridades a darem mais atenção aos sobreviventes do Katrina que atualmente vivem amontoados em abrigos públicos. Trata-se, segundo Sheila Dauer, da Anistia Internacional EUA, da população mais vulnerável:

¿ As autoridades são responsáveis por protegê-las. Quando se junta milhares de pessoas num determinado local por tanto tempo, as mais jovens, as mais idosas, as mulheres e crianças, tornam-se as mais vulneráveis à violência ¿ disse Sheila Dauer.

O CDC e a Anistia alertaram ontem o governo para que promova uma forte presença de policiais e militares nos abrigos, em especial no Astrodome em Houston, no Texas, onde estão vivendo milhares de pessoas. Esses agentes, no geral, são encarregados basicamente para vigiar o perímetro externo dos abrigos que, internamente, têm áreas pouco iluminadas, propícias aos abusos.

Luci Hadi, coordenadora de grupos de emergência na Flórida, que vem prestando ajuda voluntária às vítimas do Katrina, disse que o ideal seria o governo abrigar os sobreviventes em locais menores, como acontece naquele estado, recebendo pequenos grupos ¿ e não as multidões amontoadas em ginásios esportivos.

¿ Esses locais não dispõem de uma infra-estrutura adequada para esse tipo de crise. É preciso que tomem cuidados especiais como, por exemplo, orientar as mulheres e crianças a se banharem e usarem os toaletes em grupos ¿ disse ela. (José Meirelles Passos)