Título: Saída a qualquer preço
Autor: Jose Meirelles Passos
Fonte: O Globo, 08/09/2005, O Mundo, p. 18

Prefeito de Nova Orleans ordena uso de força para retirar moradores. Contaminação mata 3

Apaciência e a tolerância se esgotaram. Agora, quem não quiser sair por bem sairá por mal ¿ ou seja, à força ¿ alertou ontem de manhã o prefeito de Nova Orleans, Ray Nagin, pouco depois de dar ordem aos policiais e aos militares para que evacuassem todos os residentes que ainda insistiam em permanecer na cidade.

Dos cerca de 500 mil habitantes, pouco mais de oito mil teimavam em ficar em suas casas:

¿ O ambiente não é seguro. É crescente o perigo de infecções, de contaminações. Entendo que vocês queiram ficar. Mas precisamos que todos saiam, por uns dias, até que tenhamos limpado a cidade toda ¿ apelou Nagin, ontem de manhã, por meio de estações de rádio locais, na esperança de que os teimosos ainda tivessem pilhas em seus rádios para receber a mensagem.

Marlon Defillo, capitão da polícia local, ainda resistia ao uso da força para a retirada dos moradores de Nova Orleans. Ele reforçara a seus comandados o pedido de tentar convencer os sobreviventes a saírem por bem:

¿ O uso da força será aplicado como último recurso ¿ garantiu ele.

Dennis Rizzuto, 38 anos, era um dos teimosos. Ele recusou a carona que lhe fora oferecida por uma das equipes de resgate, dizendo que ainda tinha comida e água suficientes, além de um pequeno gerador à gasolina, e preferia permanecer em casa esperando as águas baixarem.

¿ Eu só saio daqui arrastado! ¿ desafiou.

Scott Powell, do Departamento de Recursos Naturais da Carolina do Sul, que participa dos trabalhos de resgate, disse que entendia quem resistia a abandonar suas casas.

¿ A maior parte dessas pessoas tem cachorros e não quer deixar os animais para trás. Elas sabem que eles não são aceitos nos abrigos e preferem permanecer a seu lado. Dá pena forçá-los a sair, mas o problema é que temos de evitar o risco de epidemias. E a situação caminha para isso ¿ disse ele.

Pelo menos três pessoas já morreram com suspeita de contaminação e uma outra está doente, informaram ontem os Centros de Controle e Prevenção de Doenças (CDC). Inicialmente haviam sido informadas cinco mortes, mas o número foi corrigido pela diretora do instituto, Julie Gerberding. Os casos, baseados em informações dos estados e ainda não confirmados pelos CDC, foram registrados entre refugiados no Texas e no Mississippi e que teriam sido infectados por Vibrio vulnificus, uma bactéria que pertence à família do germe causador da cólera.

Mais de 30 idosos mortos dentro de um asilo

O Pentágono enviou ontem cinco mil pára-quedistas para Nova Orleans, junto com pequenos barcos, para engrossarem as equipes que procuram sobreviventes e cadáveres. Eles estão vasculhando a cidade de porta em porta.

¿ Começamos a passar um pente fino em busca de todos os vivos e também dos mortos ¿ disse o prefeito Nagin.

Em Minas Gerais, a família de Benilda Caixeta, que mora sozinha em Nova Orleans e é praticamente tetraplégica, continua sem notícias dela.

Embora o bombeamento das águas fétidas e contaminadas tenha sido iniciado na terça-feira, o trabalho ainda levará muito tempo. No mínimo, de quatro a cinco semanas ¿ segundo os cálculos dos técnicos do setor.

Das 148 bombas de drenagem disponíveis em Nova Orleans, que tem 80% de seu território abaixo do nível do mar, apenas cinco funcionavam ontem. Ironicamente, muitos soldados tiveram de ser desviados para outro tipo de trabalho: eles ajudavam bombeiros a apagar incêndios que irromperam na cidade.

A maioria deles teria sido causada por pessoas que, na falta de eletricidade, vinham utilizando velas. Mais de 800 mil pessoas ainda estão sem luz na Louisiana e no Mississippi. A cifra de mortos, vítimas do Katrina, permanece desconhecida. No entanto, os números referentes aos estragos cresciam hora à hora.

Corpos de 32 dos 60 internos de um asilo para idosos no distrito de St. Bernard, nos arredores de Nova Orleans, foram encontrados ontem pela polícia. Pelo menos 14 das vítimas morreram afogadas e estão irreconhecíveis. A água chegou até o telhado.

No asilo Santa Rita ainda estavam uma mesa pregada contra uma janela, uma cadeira de rodas com uma mesa sobre ela contra outra janela e um colchão contra a porta, mais de uma semana após a passagem do furacão. Assim como no asilo, muitos corpos ainda não foram retirados e as autoridades acreditam que cenas semelhantes podem surgir nos próximos dias, após as águas baixarem e as buscas avançarem.

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