Título: Casos reais
Autor:
Fonte: O Globo, 08/09/2005, Opinião, p. 6

Em meio a uma discussão com a mulher, em São Paulo, domingo, o motoboy sacou da arma e disparou, não se sabe se para matar ou para assustar. Sabe-se apenas que errou a pontaria e matou sua prima, uma menina de 6 anos. Antes de fugir, ele pôs a mão na testa e disse: ¿Meu Deus.¿

Mereça ele a pena que merecer, o fato é que a tragédia não teria ocorrido se ele não tivesse uma arma. E se um caso isolado como este, por mais dramático que seja, não for suficientemente convincente, então tome-se a redução de 8,2% do número de mortes por armas de fogo no país em 2004, pela primeira vez em 13 anos. A criminalidade não caiu; o único fator novo foi o recolhimento de cerca de 400 mil armas, graças à campanha de desarmamento. Por sinal, onde foram recolhidas mais armas, maior, proporcionalmente, foi a queda do índice.

Está aqui, portanto, claramente, a origem dessa inversão de tendência ¿ que se acentuará mais se, como indicam as pesquisas de opinião, a população manifestar-se, no referendo de 23 de outubro, pela proibição do comércio de armas de fogo.

A chamada bancada da bala e o lobby dos fabricantes de armamentos argumentam que não é recorrendo às lojas que os criminosos se armam. É verdade; mas não é toda a verdade, porque eles têm uma importante fonte de abastecimento nos revólveres comprados pelos homens de bem para a defesa pessoal. Quando acontece de esses cidadãos serem assaltados, além do dinheiro também suas armas são levadas. Tanto que já se constatou: das armas apreendidas com criminosos, 33%, originalmente, tinham sido compradas e registradas legalmente.

Calcula-se que existam no Brasil dez milhões de armas de fogo, sendo quatro milhões em mãos de criminosos. Estes continuarão armados; mas com o fim do comércio, os outros seis milhões gradualmente diminuirão, encolhendo assim tanto essa fonte de suprimento quanto o número de vítimas de crimes passionais ou acidentais ¿ como a menina morta pelo motoboy.