Título: OTIMISMO NA AÇÃO
Autor: FLÁVIO MONTIEL DA ROCHA
Fonte: O Globo, 08/09/2005, Opinião, p. 7

Pesquisa da ONU confirmou, em 2002, um traço louvável na natureza do brasileiro. Em todas as faixas sociais e etárias, mais de 40 milhões de pessoas se movem com a ética obreira das abelhas, abrindo espaço da agenda para construir, como voluntários, soluções para os problemas do país. O anseio de ajudar é ainda maior.

Segundo estudo da ONG Faça Parte, mais de 70% da população querem contribuir, embora muitos não saibam como. Esse dado indicou a necessidade de ações dos gestores públicos no sentido de incorporar aquele potencial latente. Ele é imprescindível num país com as dimensões e as complexidades do Brasil, onde, no atual estágio da economia e possibilidades orçamentárias, um governo, sozinho, enfrenta dificuldades para equacionar todas as questões.

Parecemos ter captado a mensagem, já que, ainda segundo o estudo da ONU, o Brasil está entre os países onde o trabalho voluntário mais cresce, superando nações de grande tradição nesse quesito, como os EUA. O voluntariado excedeu movimentos religiosos e a Cruz Vermelha. Anônimos e personalidades somam para o favo da gestão pública de áreas como Educação, Direitos Humanos, Saúde, Meio Ambiente. Sobretudo na última década um mosaico solidário ganhou vida por obra de cidadãos, entidades civis, ONGs, empresas ¿ onde, por sinal, passou a contar pontos para admissão ao emprego.

Talvez porque ameacem diretamente a vida, as questões ambientais ocupam contingentes no Planeta, a impedir que rolemos com ele para o precipício. Não à toa, no manancial de fauna e flora que é o Brasil, a atuação voluntária no setor é mais vigorosa na região amazônica, vitimada pelos desmatamentos ilegais de florestas (para prática do comércio madeireiro e da agropecuária extensiva), pelo contrabando de animais silvestres e pelo seqüestro de seivas medicinais, para registro de patentes no exterior.

O Estado tem empregado ao limite os recursos humanos, materiais e tecnológicos, além da força da lei, buscando incrustar no país uma política de manejo sustentável dos recursos naturais. Se por um lado a fiscalização se intensificou em portos, aeroportos e postos aduaneiros, por outro, satélites monitoram diariamente a Amazônia Legal. Este big-brother da floresta possibilita, por exemplo, identificar a derrubada de árvores, inclusive nos nichos de difícil acesso, aonde fiscais, Exército e Polícia Federal chegam em helicópteros. A fiscalização é ponto crucial da estratégia, assim como as políticas públicas em curso. Entretanto, outro ponto determinante é a mobilização cívica, o trabalho educativo voluntário, in loco, de prevenção. O poder público não só reconhece o valor dessa presença. Ele a requer, apostando no intercâmbio produtivo nas redes nacional e mundial de voluntariado. Hoje quase três mil agricultores, indígenas, pescadores, profissionais liberais, estudantes atuam como agentes ambientais voluntários, colhendo sua cota de néctar para que o país possa beber o mel. Seu trabalho tem sido exemplar, orientando e mobilizando comunidades e imprensa, em prol do manejo civilizado dos biomas. É presença que tende a se multiplicar, diante das inúmeras solicitações espontâneas de ingresso.

Pessoas físicas ou jurídicas, os voluntários arregaçam as mangas sem cobrar pelo serviço, pois percebem carências na infra-estrutura do Estado. A relação entre ambos não se baseia em exigências ou vínculos trabalhistas formais. Está calcada na confiança e na idéia de que o poder existe para servir. Chame-se esse desprendimento de amor, causa, generosidade, patriotismo. É um pouco de tudo. O importante é que o poder público, em todos os níveis, cative esse capital humano e se guie por ele.

O fato de conhecerem de perto o jogo de interesses locais faculta aos voluntários se anteciparem à consumação dos danos, aos fiscais e aos próprios satélites, acelerando medidas saneadoras, inclusive em unidades de conservação, onde muitos predadores só são descobertos quando deram início ao delito. Se o melhor do Brasil é o brasileiro, mais valoroso é o voluntário. Eles são um desdobramento do que de mais precioso viceja em nós. Tolo o governante que, diante desse otimismo na ação, permita-se abater pelo pessimismo da inteligência.

FLÁVIO MONTIEL DA ROCHA é diretor de Proteção Ambiental do Ibama.