Título: Severino e as andorinhas
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 08/09/2005, O Globo, p. 2

A oposição encabeçou sozinha o movimento para afastar o deputado Severino Cavalcanti da presidência da Câmara, mas, pelo menos, o PSDB refez suas contas: assim como uma andorinha só não faz verão, a oposição não removerá Severino se não ampliar seu movimento, convencendo o PT e os partidos governistas da necessidade de afastá-lo para restaurar a imagem do Legislativo.

É o que estão dizendo, desde a reunião dos partidos de oposições na terça-feira, o líder tucano Alberto Goldman e seu primeiro vice-líder, Eduardo Paes. É o que recomendam também os governadores. Há no PT um apoio silencioso a Severino, mas ele parte dos que têm algo a perder e a barganhar com o baixo clero severinista. Na bancada, o impulso predominante é pelo apoio a seu afastamento, se confirmadas as denúncias de suborno.

Ao encabeçar sozinha o movimento ¿ primeiro exigindo que Severino se afastasse e, depois, ameaçando-o com um pedido de cassação ¿ a oposição deu ares de luta política ao que só terá êxito se for um movimento pluralista da Casa. Propiciou também a interpretação de que buscava um atalho para facilitar a tramitação de um pedido de abertura de processo de impeachment contra o presidente Lula. Severino o engavetaria, mas com seu afastamento temporário, assumiria o cargo o primeiro vice, o pefelista Thomaz Nonô. A primeira providência deve ser então, no entender dos tucanos, desvincular o pedido de cassação de qualquer articulação pró-impedimento de Lula. Para quebrar receios e atrair o PT, será assegurado que um eventual sucessor de Severino (que seria eleito pela Casa) será um petista, respeitando-se a regra que garante o cargo ao maior partido. Regalia que o PT jogou fora em fevereiro ao lançar dois candidatos e que alguns oposicionistas também rasgaram ao votar em Severino. Para os tucanos, há bons nomes na bancada petista para presidir a Câmara no restante do biênio (desvinculados, naturalmente, do valerioduto e de outros charcos). Outro pressuposto é o de que as CPIs continuem trabalhando e as cassações aconteçam.

Neste momento em que se prega nas ruas o "fora todos", como se viu ontem no Sete de Setembro em Brasília, interessa a todos não apenas a recuperação da imagem da Câmara, mas a demonstração de que nos diferentes partidos existem políticos podres, que precisam ser punidos, mas também homens de bem. A mitomania petista de que eles só existiam no PT aumentou agora a vertigem da queda e deve ter propiciado a Delúbio a desenvoltura com que usava meios ilícitos em nome dos fins políticos.

Economia X escândalo

Em seu pronunciamento de ontem o presidente Lula falou da crise como quem já se sente fora dela ou acima dela. Sem o constrangimento que o travou ao falar na reunião ministerial de agosto. Não voltou às meias desculpas nem aos golpes e conspirações. Apontou apenas "interesses menores" a quem não se deve permitir usar a crise para prejudicar a economia. Esta sim, foi seu assunto central, afora a garantia de punições cabais, doa a quem doer.

Nos últimos dias choveu mesmo bons sinais de que a economia esqueceu a crise. A inflação cedeu, os juros podem cair e começou a revisão para cima de previsões de crescimento este ano. A estagnação de 2003 foi responsável pela interrupção na melhora dos indicadores sociais, como mostrou o relatório do PNUD sobre o IDH. Mas o crescimento de quase 5% em 2004, somado a uns 3,5% deste ano e a um bom desenho em 2006 farão diferença em relação à média dos anos recentes.

Economia conta muito na eleição, mas resta saber que força terá para neutralizar um escândalo tão grande, a lembrança dos milhões de Valério e Delúbio sacados por petistas e aliados, as poças de corrupção nas estatais, as malas, a cueca, as mentiras.

O Sete de Setembro mostrou um país dividido: Lula ouviu vaias e aplausos, houve protestos, mas também o esvaziamento do principal ato de protesto pela esquerda, o Grito dos Excluídos.

O Centro Celso Furtado

Será apresentado esta semana na Conferência de Helsinque o manifesto de fundação do Centro Internacional Celso Furtado de Estudos para o Desenvolvimento. Busca a adesão de governos, entidades e personalidade. Proposto pelo presidente Lula na reunião da Unctad do ano passado, o instituto que homenageia nosso mais importante pensador social vai tomando forma graças ao trabalho de uma comissão liderada pela viúva de Celso, a jornalista Rosa Freire d`Aguiar, mais os economistas Gonzaga Belluzzo, Ricardo Bielchowisk e Maria da Conceição Tavares. A Secretaria-Geral da Presidência e o BNDES apóiam a iniciativa, mas o centro deve ser uma entidade pluralista e independente de governos, focado nos problemas brasileiros e latino-americanos. Outros intelectuais já comprometidos com ele são Chico de Oliveira, Bresser Pereira, Wilson Cano, Paulo Nogueira Batista Júnior, Carlos Lessa, Tânia Bacellar, Rubens Ricúpero, Glauco Mattoso, João Manoel, Luciano Coutinho, José Graziano, Ronald Queiroz, Roberto Smith, Guido Mantega, Aldo Ferrer (Argentina) e Octávio Rodrigues (Uruguai). Funcionará no Rio, num andar cedido pelo BNDES. Maria da Conceição, amargurada com os desatinos do PT, diz estar dirigindo toda sua energia ao trabalho pelo centro. Ainda em vida, Celso escreveu a Lula agradecendo a homenagem.

DOIS NOMES petistas para uma eventual substituição de Severino, que teriam apoio da oposição: Sigmaringa Seixas e Paulo Delgado.