Título: PROCURADOR DEVE RECOMENDAR PRISÃO DE MALUF
Autor: Adauri Antunes Barbosa
Fonte: O Globo, 07/09/2005, O País, p. 12

Pitta e Flávio Maluf também poderão ser presos; para delegado, acusados estariam atrapalhando investigações

SÃO PAULO. Até o fim desta semana, o procurador Pedro Barbosa, do Ministério Público Federal em São Paulo, deverá recomendar a prisão preventiva do ex-prefeito Paulo Maluf à juíza Sílvia Maria Rocha, da 2ª Vara Criminal Federal da capital paulista. Maluf, que segundo a Polícia Federal mandou ilegalmente US$250 milhões ao exterior por doleiros, é acusado de corrupção, evasão de divisas e lavagem de dinheiro.

O pedido de prisão preventiva, estendido também ao ex-prefeito Celso Pitta, sucessor de Maluf na Prefeitura de São Paulo, e ao filho Flávio Maluf, foi feito pelo delegado Protógenes Queiroz, da Polícia Federal, porque os três acusados estariam atrapalhando as investigações com ameaças, subornos e ocultação de provas.

Em conversas telefônicas entre Paulo Maluf e seu filho Flávio, interceptadas pela Polícia Federal, é revelada uma tentativa de impedir ou atrapalhar o depoimento do doleiro Vivaldo Alves, conhecido como Birigüi, ao Ministério Público Federal. O grampo autorizado pela Justiça registra pelo menos três diálogos e um encontro entre Flávio e Birigüi, apontado pela polícia como o operador da família Maluf no exterior.

Doleiro transferiu US$5 milhões para Duda

Em depoimento aos policiais federais, Birigüi disse que, por ordem de Flávio, transferiu US$5 milhões para o publicitário Duda Mendonça em uma conta no Citibank de Nova York em 1998. Ele afirmou ainda que, a pedido de Flávio, operou três contas no exterior, cujos nomes eram Chanani, Ugly River e Madison Hill Ventures, e abriu uma quarta para Duda, a Eleven. Duda cuidou da campanha de Maluf ao governo do estado naquele ano.

Todos os bens pessoais da família de Paulo Maluf - a mulher Sylvia Lutfalla Maluf, de seus filhos Flávio e Ligia Maluf Cury e de Maurílio Miguel Cury, marido de Lígia - estão bloqueados pelo Tribunal de Justiça de São Paulo desde junho deste ano. Conforme os desembargadores que tomaram a decisão, a documentação contida nos autos é incontestável quanto à existência de dinheiro no exterior. A medida atinge os bens móveis e imóveis, com exceção dos valores em conta corrente do ex-prefeito. O objetivo do bloqueio é assegurar a devolução de R$5 bilhões supostamente desviados por meio de superfaturamento de obras da prefeitura paulistana.

Duda teria sido pago com verba de propina

Documentos entregues por doleiro à PF mostram transferências no exterior

SÃO PAULO. O Ministério Público de São Paulo tem informações de que o dinheiro que o ex-prefeito de São Paulo Paulo Maluf (PP) usou para pagar ao publicitário Duda Mendonça pela campanha eleitoral ao governo paulista em 1998 foi resultado de propina em dólar recebida da empreiteira Mendes Júnior.

Documentos apresentados ontem pelo "Jornal Nacional" mostram sete transferências no valor de US$840 mil cada, que totalizaram US$5,880 milhões, da conta Chanani, no Safra National Bank de Nova York, que era controlada pela família de Maluf, para a conta Heritage Finance Trust, do publicitário, no Citibank de Nova York.

Os documentos são provas entregues à Polícia Federal pelo doleiro Vivaldo Alves, o Birigüi, que fazia operações financeiras no exterior para Maluf e sua família. Segundo os papéis, a conta Chanani, atribuída à família Maluf, movimentou US$164 milhões em um ano e meio.

O doleiro entregou à PF o livro-caixa em que fazia as anotações sobre as operações para a família do ex-prefeito. Os valores anotados à mão identificam a origem dos depósitos na conta Chanani e conferem com os que constam em documentos oficiais do banco Safra.

Um dos documentos mostrados ontem pelo "Jornal Nacional" registra uma transferência de US$50 mil da Chanani para a conta de Otávio Maluf, filho de Paulo Maluf. Nas fichas de abertura da conta no Safra, em outubro de 1997, estão a assinatura de Vivaldo e o nome do gerente da agência, Laércio Teixeira.

Ex-prefeito se diz vítima de tentativa de extorsão

Em nota, o ex-prefeito reafirmou ontem que foi vitima de tentativa de extorsão por parte do doleiro, que nega a acusação. Maluf admite o encontro do filho Flávio com o doleiro, como mostram as imagens do "Jornal Nacional", e defende-se, afirmando que o objetivo do encontro foi saber até onde iria a extorsão.

A nota diz que nas conversas gravadas não há uma única palavra que incrimine Maluf ou Flávio. "Não acreditamos, ante a falta absoluta de provas, que qualquer representante da Justiça brasileira se renda à pirotecnia política praticada ao arrepio da lei para decretar a prisão preventiva de quem sempre esteve democraticamente à disposição para prestar esclarecimento".

Duda disse que recebeu no Brasil o pagamento da campanha e se dispôs a apresentar a documentação às autoridades. A Mendes Júnior, que teria pagado a propina, afirmou que nunca fez pagamento irregular ao ex-prefeito. O Safra informou que não comenta assuntos de clientes.

TRECHOS DAS CONVERSAS GRAVADAS

A primeira conversa é entre Laércio Teixeira, gerente do Safra Bank, e uma mulher:

Laércio - Eles entendem tudo. Estão há anos nesse negócio de Maluf.Mulher - E já sabem de toda a história, do que aconteceu?Laércio - De tudo o que aconteceu e só querem... só querem pescar provas, entendeu? Eu sou tão mixo! Tem tanta gente poderosa!

No segundo trecho, Maluf conversa com o advogado José Roberto Leal e com o filho Flávio, preocupado com o depoimento do doleiro:

Maluf - O cara já depôs ou não?Advogado - Não. Vai ser amanhã.Maluf - E como é que vai controlar isso?Advogado - Olha, a forma é outra, que eu não sei ainda qual é.Maluf - Você acha que ele vai incriminar quem nós queremos, quem nós não queremos que incrimine?Flávio - Eu acho que a chance de ele não falar nada, eu acho boa, entendeu?Flávio Maluf conversou com o próprio doleiro Vivaldo sobre o depoimento:

Flávio - Como vai, tá se preparando aí?Vivaldo - Não, ficou para amanhã.Flávio - Hum, ótimo. Ganhou um dia a mais. Não esqueça da nossa conversa, entendeu? Eu te garanto, entendeu? É o melhor aí pra você. Te garanto. Te garanto. Você entendeu? Confia em mim que eu tenho certeza do que tô falando.

No dia seguinte, Flávio tenta se informar o pai:

Flávio - E foi lá ou não?Maluf - Acho que foi. Não temos a informação correta. Mas é bom você não se mexer, que eu acredito que todos os telefones dele hoje devem estar "assessorados", viu?Flávio - Tá bom.Maluf - Se você falar, esse canalha é capaz de gravar e servir de prova que é teu amigo.

Flávio Maluf instrui o advogado José Roberto Leal a telefonar para o advogado do doleiro, Fábio Lobo:

Flávio - Se você, quem sabe, puder ligar para o Fábio, liga: "Fábio, olha Fábio, você pode ficar absolutamente tranqüilo, entendeu? Estamos nisso há vários anos, entendeu?"Advogado - É lógico!

E Fábio Lobo dá retorno ao doleiro Vivaldo:

Fábio - Eu te liguei pra te dizer uma coisa. Posso dizer?Vivaldo - Pode.Fábio - Eles me procuraram. Fizeram uma proposta indecente. Parte do pressuposto que sou mau caráter, e que sou venal.

OUTROS PROCESSOS

Em novembro de 2004, o Ministério Público Federal pediu a prisão preventiva do ex-prefeito Paulo Maluf, denunciado por cinco crimes: peculato, formação de quadrilha, sonegação fiscal, evasão de divisas e lavagem de dinheiro. Maluf foi acusado pelo Ministério Público Federal de ter feito remessas ilegais de US$440 milhões para contas em paraísos fiscais em Luxemburgo, Suíça, França e Ilhas Jersey. O dinheiro teria sido obtido em propinas para a construção de obras em sua gestão como prefeito de São Paulo (1993-1996).

Maluf também responde a uma ação cível por improbidade administrativa, na qual o Ministério Público Estadual pede a devolução aos cofres públicos de R$5 bilhões. Ele e toda a sua família estão com os bens bloqueados, os direitos políticos suspensos e proibidos de fazer contratos públicos por determinação da Justiça.

Em depoimento à Polícia Federal, o doleiro Vivaldo Alves acusou Maluf e o ex-prefeito Celso Pitta de enviar US$250 milhões irregularmente para o exterior.

Legenda da foto: VIVALDO: o doleiro é apontado como o operador da família Maluf