Título: GUERRA SEM FIM NO VIDIGAL
Autor: Ronaldo Braga
Fonte: O Globo, 09/09/2005, Rio, p. 13

Mãe vai à favela para resgatar corpo do filho; tiroteio volta a aterrorizar moradores

suspeita é de que a vítima seja um amigo de Carlos Eduardo. Enquanto um carro da PM sobe a favela (à esquerda), um caminhão da Light desce carregando um transformador que explodiu depois de ser atingido por tiros. Por causa do problema, parte do Vidigal ficou sem energia elétrica

Mais um tiroteio voltou a levar medo, ontem à tarde, a moradores do Morro do Vidigal. Dessa vez, o confronto, que durou uma hora e meia, foi entre traficantes e policiais do Grupamento de Ações Táticas e do 23º BPM (Leblon). Um PM foi baleado no pé e levado para o Hospital Miguel Couto, no Leblon. Por causa do confronto, que aconteceu depois de mais dois corpos serem encontrados perto do Largo do Santinho, no meio da favela, a Avenida Niemeyer foi interditada por cerca de dez minutos. Por volta de 16h, o trânsito foi liberado. Desde segunda-feira, o clima é tenso na área por causa da guerra entre traficantes do morro e da Rocinha pelo controle de pontos de venda de drogas.

Para tentar dar tranqüilidade aos moradores, a PM ocupou a favela com cerca de 50 homens, numa operação que não tem data para terminar. Segundo o comandante do 23º BPM, coronel Carlos Norberto Mendes, o policiamento também foi reforçado nos hospitais públicos para que criminosos feridos durante os tiroteios possam ser presos.

¿ A polícia vai sempre intervir enquanto houver este clima de guerra. Não vamos dar trégua aos criminosos ¿ afirmou o comandante do 23º BPM.

Número de mortos já chega a quatro

Desde quarta-feira, o número de mortos já chega a quatro. Anteontem, a Secretaria de Segurança Pública havia divulgado que quatro corpos tinham sido encontrados. Ontem, no entanto, o órgão disse que houve engano no número: em vez de quatro, tinham sido encontrados apenas dois.

Um dos mortos localizados ontem é Carlos Eduardo Araújo Ribeiro, de 21 anos, morador do Morro do Tuiuti, em São Cristóvão. Ele estava num barranco no alto da favela, com um tiro na perna e o pescoço quebrado, provavelmente devido a uma queda. A própria mãe de Carlos, Delizete de Araújo, subiu o morro em busca do filho. Com outras pessoas, ela retirou o cadáver da mata e o levou até PMs.

Delizete chegou ao Vidigal de manhã, com uma irmã de Carlos, após passar por hospitais e pelo Instituto Médico-Legal. Ela contou que subiu o morro para procurar o filho porque o Corpo de Bombeiros e a PM não quiseram fazer o trabalho, informando que não havia segurança e que seria necessário esperar reforço para o policiamento. Delizete encontrou o corpo de Carlos numa mata próxima ao Largo do Santinho.

Ela contou que o filho saiu de casa na noite de segunda-feira, dizendo que ia com um amigo ao Vidigal. O outro cadáver, que estava com a cabeça raspada e pintada de vermelho, ainda não foi identificado, mas a suspeita é de que seja do amigo de Carlos. A polícia ainda não sabe se as vítimas tinham envolvimento com o tráfico.

Parte da favela ficou sem luz e telefone

Equipes de reportagem dos jornais ¿O Dia¿ e ¿O Povo¿ ficaram encurraladas no alto do morro por cerca de uma hora e meia. O grupo subiu o Vidigal para acompanhar as buscas pelo corpo de Carlos, mas não pôde descer porque o tiroteio não parava. Os jornalistas só conseguiram retornar à Avenida Niemeyer às 16h30m.

Como na madrugada de quarta-feira parte do morro ficou sem luz por causa de uma explosão num transformador ¿ atingido por tiros disparados por traficantes ¿ funcionários da Light estiveram no local e prometeram que a energia elétrica seria restabelecida ainda ontem. Parte da favela também ficou sem telefone porque os fios foram atingidos durante os tiroteios. Ainda não há previsão de quando o conserto será feito.

Anteontem, PMs do Bope subiram a favela e trocaram tiros com pelo menos dez bandidos. Um deles morreu e foi identificado como Renato de Araújo Bezerra, o Pará, do Morro Pavão-Pavãozinho, em Copacabana. O outro corpo encontrado anteontem, com várias marcas de tiros, estava no alto do morro e foi localizado depois de PMs seguirem um rastro do sangue. Dois fuzis e quase 600 cápsulas de fuzil e pistola foram apreendidos.

Desde terça-feira já foram presos três traficantes. Um deles foi Wagner Garcia Freitas, de 24 anos, encontrado no Hospital Miguel Couto, depois de ter sido ferido num tiroteio. Segundo a polícia, Wagner é braço-direto de Erismar Rodrigues Moreira, o Bem-Te-Vi da Rocinha, chefe do tráfico na Rocinha. Os outros presos são André Luiz de Brum, de 26 anos, e um menor de 16 anos, traficante da Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana. Eles foram detidos anteontem, quando tentavam conseguir socorro para André, que fora baleado na perna. Os dois tinham invadido uma casa e exigido que moradores os levassem, por uma trilha na mata, que não conheciam, até a Niemeyer.

Há cerca de 40 dias bandidos da facção criminosa de Bem-Te-Vi passaram a controlar as bocas-de-fumo na parte alta do Vidigal. A parte de baixo continua com os antigos traficantes do morro, que estão resistindo aos invasores com a ajuda de marginais de outras favelas.

COLABOROU Ana Wambier