Título: Cedo ou tarde
Autor: Tereza Cruvinel
Fonte: O Globo, 10/09/2005, O Globo, p. 2

Em Nova York, o deputado Severino Cavalcanti parece ter aceitado os conselhos para não renunciar à presidência da Câmara nem pedir afastamento provisório, frustrando os planos dos partidos por uma substituição rápida que tire a credibilidade da Casa da UTI. Mas certos de que ela ocorrerá, ainda que demore mais, seus líderes continuam discutindo a sucessão. Aparentemente, agora dispostos a não repetir o 14 de fevereiro.

Mas a sucessão é um segundo ato, que dependerá da atitude que Severino tomar. Enquanto os partidos conversavam aqui sobre nomes e critérios, em Nova York lhe chegavam conselhos telefônicos para não renunciar nem pedir afastamento temporário. Seria, diziam, aceitar uma barganha com a oposição: em troca da presidência, não seria denunciado. Foi aconselhado ainda a estimular as investigações, a não agredir ninguém e a não presidir sessões de cassação, como a de Roberto Jefferson, na quarta-feira. Ele deu sinais de que tomará esta linha, obrigando os partidos a pedir sua cassação, apesar da entrevista arrasadora do empresário Buani.

Discutir a eleição de Severino não é uma inutilidade revanchista, como pensam alguns. Em fevereiro, os interesses da instituição foram ultrapassados pela arrogância partidária (do PT com a candidatura estreita de Greenhalgh), pelos projetos pessoais (de Virgílio Guimarães, que rachou o PT, e dos demais candidatos avulsos a cargos na Mesa, que minaram a autoridade dos líderes) e da luta política (que levou tucanos e pefelistas a apoiar Severino para derrotar Lula). Os partidos aprenderam a lição e por isso, pelo menos nesta primeira hora, ouve-se a voz da sensatez. Quase todos os líderes (ressalvado o silêncio do PMDB) afirmam que o atributo fundamental de um novo presidente da Câmara não deve ser a filiação partidária, mas, como diz o pefelista Rodrigo Maia, "a grandeza política que o aproxime de um Ulysses Guimarães e de um Luiz Eduardo Magalhães". Ficou estabelecido que não haverá veto a um nome do PT, desde que amplamente aceito, mas que não prevalecerá a regra da proporcionalidade que lhe garantiria automaticamente o posto. O próprio PT antecipou-se adotando esta posição, como fez seu presidente, Tarso Genro, em telefonema ao líder tucano Alberto Goldman. Foi o que se ouviu ainda do líder Henrique Fontana, dos deputados José Eduardo Cardozo e Antonio Carlos Biscaia. Não quer isso dizer que o PT esteja jogando a toalha. Está simplesmente admitindo que não tem condições de impor um nome seu. Para que tenha chance, o primeiro passo é admitir o apoio a um nome de outro partido, segundo o critério da respeitabilidade, da aceitação e do compromisso com as investigações em curso.

¿ Se nós podemos apoiar um petista, mesmo não se cogitando hoje de uma proporcionalidade rompida em fevereiro, a contrapartida é a de que tenham a mesma abertura. Foi por isso que lembramos o nome de Jutahy Magalhães ¿ diz Goldman.

Biscaia lembra a seus companheiros petistas que estão tendo uma chance de ouro de reduzir as perdas já sofridas elegendo um presidente de grande estatura. Mas que se repetirem comportamentos irracionais, vão perdê-la novamente.

Na prática, isso equivalente ao seguinte. Um nome do Campo Majoritário não seria aceito pela oposição. E os que ela aceita, dificilmente o partido indicaria . Por isso existe mesmo a hipótese de PT e governo aceitarem um acordo político em torno de um nome não petista, sob algumas condições. Que o cargo não seja usado para forçar um processo de impeachment contra o presidente e que se resguarde a agenda econômica essencial.

O mudo PMDB terá um papel. De seu apoio depende a viabilização de qualquer nome, petista ou não. E os pequenos partidos também. Raul Jungmann, do PPS, diz que não haverá veto ao PT nem sujeição automática à proporcionalidade. Depende do nome. Que PPS, PDT e PV poderiam até apresentar um nome comum na hora da negociação. Mas parece que Severino vai atrasá-la.

Lula e Severino

O presidente Lula observa a situação de Severino Cavalcanti com o distanciamento que a independência dos poderes exige, diz o ministro Jaques Wagner. Por enquanto, respeita Severino como presidente legitimamente eleito pelo voto de seus pares. Espera que a Câmara resolva o problema sem prejulgamento e sem acordo subalternos, tal como em relação aos demais acusados. De substituição, o governo não falará enquanto não houver uma situação de vacância. Se isso ocorrer, não será ingerente.

Este é o discurso politicamente correto, mas se houver vacância, o Planalto não deve permitir que o PT repita as trapalhadas de fevereiro. Deve pelo menos tentar fazer com que o partido aproveite a chance.

O SIlLÊNCIO do PMDB sobre o caso Severino reflete cautela, mas sobretudo falta de líderes. O mais importante deles hoje, o presidente do Senado, Renan Calheiros, não vai meter a mão na cumbuca da Câmara. O presidente do partido, Michel Temer, está fora do Brasil. O líder Santiago, em fase de afirmação, deve estar esperando orientação.