Título: TESTE À FRENTE
Autor:
Fonte: O Globo, 10/09/2005, Opinião, p. 6

Opresidente da Câmara, Severino Cavalcanti, rendeu-se enfim aos fatos e pelo menos antecipou em um dia o retorno ao Brasil, depois de cumprir em Nova York uma agenda desnecessária num inexpressivo encontro na ONU de chefes de parlamentos. Severino encerrou a estadia em Manhattan com um pronunciamento a executivos sobre a economia brasileira, em que, entre outras platitudes, repetiu diante de pequena platéia o mantra contra os juros elevados.

Seria apenas patético se não fosse mais um lance na dramática crônica de uma alta autoridade da República que se recusa a reconhecer a gravidade da sua situação e continuou no exterior engordando a conta a ser paga pelo contribuinte. Severino desembarca hoje e precisa tomar sérias decisões. O ideal seria a renúncia imediata do cargo. Mas, pelo que disse antes de fazer as malas em Nova York, não renunciará e, garante, provará a inocência. Tem de fazê-lo rapidamente, entretanto, diante do dedo em riste do empresário Sebastião Augusto Buani, que o acusa de extorsão em troca de prorrogar a concessão de um restaurante da Câmara. Para fragilizar ainda mais a posição do presidente da Câmara, um dos pagamentos do suborno teria sido feito em cheque, prova material fulminante contra a intenção de Severino de continuar na carreira política remunerada pelos cofres da nação.

Os desafios à frente de Severino se mostram insuperáveis. Mas há outros obstáculos difíceis diante dos partidos, dos políticos e do governo. Se o desfecho for o que todos prevêem, a Câmara terá de escolher em breve um novo presidente, numa conjuntura política de especial gravidade. Será mais um teste de maturidade para os políticos, tendo eles sido reprovados no início do ano, em prova idêntica, quando escolheram Severino Cavalcanti para ser o terceiro nome na hierarquia político-administrativa brasileira.

Os principais partidos precisarão escolher um nome que tenha condições de presidir a transição da Câmara pelo acidentado terreno das cassações que serão examinadas por causa do propinoduto de Marcos Valério, PT e aliados. Essa é uma questão suprapartidária, até para a defesa da já por demais desgastada imagem do Congresso. A mesma postura será exigida do governo.