Título: BRASIL VAI CAPTAR NO EXTERIOR COM TÍTULOS EM REAIS
Autor: Enio Vieira e Patricia Eloy
Fonte: O Globo, 10/09/2005, Economia, p. 30

Operação livra cofres públicos do risco de uma alta do dólar. Previsão de analistas é que demanda seja grande

BRASÍLIA e RIO. O Tesouro Nacional anunciou ontem que realizará em breve a primeira captação externa de recursos com títulos denominados em reais. Há muito tempo o governo federal estuda a viabilidade desta operação, cuja principal vantagem é livrar os cofres públicos do risco de uma valorização cambial. O ônus passa a ser dos investidores estrangeiros, que teriam menos moeda estrangeira a receber no vencimento do papel. Com um bônus emitido em dólares, o governo e as empresas privadas têm um custo maior quando ocorre uma alta do moeda americana.

Hoje o governo emite papéis em três moedas: dólar, euro e iene. Mas, no ano passado, o Conselho Monetário Nacional (CMN) autorizou a emissão no exterior em reais ¿ oportunidade aproveitada primeiramente por bancos e empresas.

¿Dentro das políticas traçadas para o financiamento da dívida externa em 2006 e 2007, o Tesouro Nacional informa que, com o objetivo de continuar diversificando sua base de investidores, melhorar seu perfil de pagamentos futuros e reduzir sua exposição ao risco cambial, está, neste momento, avaliando a conveniência de realizar, em um horizonte de tempo relativamente breve, operação de emissão de títulos da dívida externa em reais¿, diz a curta nota do Tesouro.

O novo título terá seu valor expresso em reais ainda que o governo receba o dinheiro em moeda estrangeira. O papel será contabilizado como dívida externa. No vencimento, os investidores receberão os recursos em reais e poderão convertê-los em moeda estrangeira pela taxa de câmbio do dia. Se houver uma desvalorização do real desde o lançamento do título, o investidor estrangeiro poderá sofrer perdas.

Para analista, operação pode reduzir risco-Brasil

As emissões em reais fazem parte de uma estratégia mais ampla do governo de reduzir a dívida pública corrigida em moeda estrangeira. A primeira captação externa em reais foi feita em novembro de 2004 pelo Banco Votorantim, no valor de R$50 milhões. Também já captaram Banco do Brasil, Bradesco, Unibanco e ABN Amro Real. A referência de juros nestas operações é a taxa Selic, hoje em 19,75% ao ano, e o custo do Tesouro no mercado interno com títulos prefixados.

Sandra Utsumi, economista-chefe do BES Investimento, avalia que a demanda deve ser alta para os papéis brasileiros. Segundo ela, continua interessante para investidores estrangeiros a remuneração dos títulos ¿ ainda elevada, apesar da forte queda nos últimos meses do risco-Brasil, que mostra a diferença entre os juros pagos pelos papéis do Brasil e os dos Estados Unidos. Hoje, os títulos brasileiros pagam em torno de 8% ao ano, enquanto um americano paga menos da metade.

Alan Gandelman, diretor da corretora Ágora Senior, também acredita que o Brasil não terá dificuldades em vender os papéis no exterior, o que pode empurrar o risco-Brasil para taxas próximas às mínimas históricas. O menor patamar (337 pontos centesimais) foi registrado no dia 22 de outubro de 1997. Ontem o risco-Brasil ficou em 386 pontos centesimais.

¿ Se a demanda pela nova emissão for elevada, isso aumentará o apetite dos investidores por outros títulos brasileiros, de empresas e mesmo do próprio governo ¿ diz Gandelman.