Título: NOVA ORLEANS E BAGDÁ
Autor:
Fonte: O Globo, 10/09/2005, O Mundo, p. 32

Para: Líderes curdos, xiitas e sunitas do Iraque.

De: Um amigo americano.

Prezados senhores,

Como alguém que quer o bem de vocês, escrevo para lhes dar a noção de como as conseqüências do Katrina afetarão a missão americana no Iraque. Como disse Michael Mandelbaum: ¿a presença no Iraque hoje é como os diques que protegiam Nova Orleans da inundação. O equivalente à inundação para o Iraque é uma guerra civil. Os militares americanos no momento estão evitando isso.¿

A questão chave no Iraque é saber se o seu processo constitucional pode conseguir um acordo de partilha de poder entre xiitas, sunitas e curdos que sirva como um dique auto-sustentado contra a guerra civil, em substituição aos americanos. No rastro do Katrina, esta é uma questão urgente. Não vamos nos retirar amanhã ou mesmo antes das eleições de dezembro. Mas depois disso, quando estaremos num ano de eleições para o Congresso, quem sabe que tipo de pressão pode ocorrer.

A maioria dos democratas foram contra a guerra desde o início e muitos republicanos não apóiam mais a guerra em si, mas só Bush. Ele carregou a guerra nos ombros, e quanto mais ele fica politicamente enfraquecido devido ao Katrina, menos é capaz de continuar levando-a. Bush disse que faremos o que for necessário para terminar o trabalho no Iraque, mas fez isso antes de haver outro trabalho a ser feito.

Agora, quanto ao esboço de sua constituição, ele é, em certo sentido, um documento notável ¿ um exemplo raro de cidadãos eleitos de um Estado árabe dialogando e forjando seu próprio contrato social. Já há mais liberdade política no Iraque do que em qualquer outro lugar no mundo árabe com a exceção do Líbano. Mas o esboço só ganhará vida se os sunitas iraquianos de boa vontade o abraçarem publicamente, e até agora não o fizeram.

Alguns sunitas estão intimidados, outros estão posando para as próximas eleições e outros estão agindo de má fé, ainda fantasiando que seu Partido Baath voltará ao poder. Mas sunitas de boa vontade, e o Iraque tem muitos deles, podem ser atraídos se a constituição criar um governo central viável política e economicamente e não pavimentar o caminho para o separatismo curdo e xiita, que deixaria os sunitas isolados, sem poder e petróleo.

Como Yitzhak Nakash, o especialista em xiitas da Universidade Brandeis, disse: ¿Precisamos de uma forma de federação que una os iraquianos, não que os divida ¿ uma forma que dê a xiitas, sunitas e curdos um grau de autonomia cultural e religiosa que não comprometa tanto a unidade política do Iraque quanto o papel de Bagdá como centro da política nacional. O esboço da constituição ainda não oferece isso.¿

Sei o quanto a amargura de xiitas e curdos em relação aos sunitas é justificável, depois do que sofreram nas mãos dos assassinos baathistas. Mas é no interesse deles e nosso ver se podemos educar mais iraquianos sunitas a entender que o melhor futuro para eles reside em trabalhar junto com um novo Iraque, em vez de tentar subvertê-lo. Irão os sunitas iraquianos, como os palestinos, desperdiçar uma geração tentando reverter a História e destruir a si próprios e o Iraque no processo? Ou eles aceitarão o fato de que são uma minoria que não mais governa um Iraque fascista, mas que podem receber sua justa parcela de poder e petróleo num Iraque livre? Não sei.

E se os diques da estabilidade que os soldados americanos estão segurando no Iraque cederem, bem, todos vocês terão inveja da população de Nova Orleans. A maioria deles tem algum lugar para ir quando as inundações ocorrem. Vocês e seus vizinhos não terão.

THOMAS L. FRIEDMAN é colunista do ¿New York Times¿