Título: Família Buani controla seis pontos de alimentação dentro do Congresso
Autor: Lydia Medeiros/Evandro Éboli
Fonte: O Globo, 11/09/2005, O País, p. 4

Pivô da crise na Câmara explorava até 2004 todos os restaurantes da Casa

BRASÍLIA. O empresário Sebastião Buani, pivô da crise que pode derrubar o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), faz parte de uma família que domina os principais pontos de alimentação do Congresso. Entre restaurantes e lanchonetes, os Buani controlam seis estabelecimentos - quatro na Câmara e dois no Senado. Os irmãos Sebastião e José Roberto Buani têm as contas dos restaurantes do Ibama, do Ministério da Fazenda e da Controladoria Geral da União (CGU). José Roberto administra os pontos explorados por uma empresa registrada em nome de sua filha Viviani Amaral Buani.

Numa estranha concorrência entre parentes, a família Buani chega a disputar com preços diferentes as mesmas licitações. Os dois se defrontaram em várias concorrências em 2004. Como um concorrente não pode vencer duas licitações, cada um ficou com um dos quatro contratos. Sebastião ganhou o restaurante do 10º andar, no Anexo IV. José Roberto venceu o lote para explorar três lanchonetes.

Este é um exemplo do negócio milionário de prestadores de serviço no Legislativo. Nesse setor, os pontos de alimentação são os únicos que não geram despesas aos cofres públicos. O Congresso não paga pelos serviços e recebe um aluguel pela exploração do ponto. Mas os demais prestadores de serviços, que variam de seguranças a faxineiros e de motoristas a serviços de informática, geram uma conta que passa dos R$100 milhões na Câmara e no Senado.

Câmara tem 14 contratos de prestadoras de serviço

Somente na Câmara, estão em vigência pelo menos 14 contratos de prestadoras de serviços, que totalizam R$55,6 milhões. Os de valores mais altos envolvem serviços de informática (R$18,6 milhões); serviços de copa, cozinha, limpeza e conservação (R$8,3 milhões); o de mão-de-obra para executar serviços de instalações hidráulica e elétrica (R$6,1 milhões); e o destinado à execução de trabalhos na TV Câmara (R$5,8 milhões). No Senado, são 15 contratos de prestação de serviço, como limpeza, serviços gerais, manutenção de veículos, telefonia e jardinagem, entre outros, que totalizam R$4 milhões mensais de gastos da Casa.

Até 2004, Sebastião Buani detinha o contrato de todos os restaurantes e lanchonetes da Câmara. A decisão de quebrar esse monopólio reduziu o custo da alimentação e melhorou sua qualidade. Os editais passaram a ser mais rigorosos e a exigir, por exemplo, cumprimento de um cardápio mínimo, com variedade e qualidade nos alimentos oferecidos, e preços baixos, além de serem submetidos a pesquisas periódicas para verificar a satisfação dos usuários.

Na Câmara, a menina dos olhos dos empresários é o lote que inclui o restaurante e a lanchonete do Anexo III, de maior movimento. Sebastião Buani chegou a vencer a licitação, mas apresentou um preço tão baixo (R$6,50 o quilo da refeição) que foi considerado inexequível. A empresa Hibisco Self Service, que havia ficado em segundo lugar, foi a vencedora, com o preço de R$8,75 o quilo. Estima-se que esse restaurante venda em média 2.500 refeições diárias.

Irmão de Sebastião Buani teme represálias

José Roberto Buani entrou no ramo da alimentação em 2002, quando venceu a licitação para explorar a lanchonete e o restaurante do Ibama. Ele disse que, apesar da inexperiência na área, pesava a tradição da família no ramo. Os Buani eram proprietários da rede de restaurantes Fiorella, espalhados em toda Brasília. José Roberto garante que nunca teve apoio de Sebastião nas licitações. Diz que é o contrário. Os dois são concorrentes e mal se falam.

- No dia de abertura de envelope, ele se senta num canto e eu no outro - afirma José Roberto.

Mas se falam de vez em quando, como na semana passada, nas vésperas de Sebastião dar seu depoimento à Polícia Federal e revelar, depois em entrevista, o esquema de propina paga a Severino Cavalcanti.

- Liguei para ele antes e disse para contar toda a verdade, como nossos pais nos ensinaram - diz José Roberto.

O contrato de José Roberto com a Câmara vence dia 14. Ele já recebeu a proposta de prorrogação por mais seis meses, mas o que deseja mesmo é a renovação por mais um ano. O empresário teme que, por ser irmão de Sebastião, possa vir a ser prejudicado pela direção da Câmara.

- Estou preocupado com o que pode respingar. Confio na direção, mas estou apreensivo. Não tenho vínculo com nada do que meu irmão fez - disse José Roberto.

Negócio de pai para filho

Cantina tem mesmo dono há 21 anos

BRASÍLIA. A exploração da única lanchonete do Senado é um negócio que passa de pai para filho. Edivaldo Santos de Brito herdou a concessão com a morte do pai, que há décadas explorava o serviço, e escolheu como sócio Raíldo Amaral, que dá expediente ali há 21 anos.

A partir de amanhã, Raíldo poderá perder a fonte de renda. Duas semanas antes de vir a público o escândalo envolvendo o presidente da Câmara, Severino Cavalcanti, e o dono de um dos restaurantes da Casa, o Senado lançou edital para renovar a concessão da lanchonete. Raíldo não tem esperanças. Pela primeira vez, a direção da Casa decidiu fazer exigências contratuais que ele não pode cumprir, como a obrigatoriedade de apresentação do registro no Conselho Regional de Nutrição.

Segundo Raíldo, a última licitação da qual participou é de 1992. O contrato poderia durar seis anos, com renovação anual. Mas eles foram ficando. Desde 1997, por decisão do então presidente, senador Antonio Carlos Magalhães (PFL-BA), Raíldo paga aluguel de R$411,27. O Senado pede R$511,06 no edital de licitação pela exploração de 22 metros quadrados em que não existe sequer uma pia.

- Montei tudo que está aqui. Nunca se preocuparam com nada. As condições são difíceis. Não tem espaço ou pia. Se não continuar, vou recomeçar do zero - lamenta Raíldo.

E avisa aos interessados em ocupar seu lugar:

- Ano que vem é ano de eleição. Só vai ter movimento mesmo durante seis meses.

Legenda da foto: O RESTAURANTE do Anexo III da Câmara dos Deputados: um dos pontos de alimentação explorados no Congresso pela família Buani