Título: A fé que só não remove dívidas
Autor: Letícia Lins
Fonte: O Globo, 11/09/2005, O País, p. 5

Romeiros pedem por Severino, mas credores cobram pagamento

JOÃO ALFREDO (PE). Na terça-feira, um ônibus com 42 romeiros partiu de João Alfredo, a 106 quilômetros de Recife, para Juazeiro do Norte, no Ceará, para pedir ao Padre Cícero, tido como santo, que o deputado Severino Cavalcanti (PP-PE), um filho da cidade pernambucana, não seja cassado. Mas há quem acuse Severino de outras irregularidades, além da já conhecida emissão de cheques sem fundo no município: quitar parte de um débito de R$31 mil em jóias falsas.

Há quem diga em João Alfredo que quem patrocinou a viagem foi o vereador Wilson França (PP), maior aliado de Severino na cidade. França nega. Alega que são todos eleitores de Severino e que viajaram por conta própria. O vereador acrescentou que o grupo político do deputado tem fé que ele não será cassado:

- A gente está muito triste, porque todo mundo quer a cabeça dele. Isso tudo é preconceito porque é nordestino, não tem diploma e não é rico. Se fosse do sul isso não acontecia.

Já o servidor público Maviael de Lima Campos se diz vítima do deputado. Ele conta que em 1994 emprestou a juros R$31 mil a Severino, em troca de cheques pré-datados que deveriam ter sido quitados em três meses. Como o pagamento não ocorreu, Maviael diz que uma amiga da família Cavalcanti marcou um encontro com todos os credores de Severino:

- Pensei que os credores eram eu e mais três ou quatro. Mas era João Alfredo inteiro. A quantidade de gente dava para encher um caminhão - recorda.

Ele contou que os cheques foram recolhidos em troca de promissórias entregues por Severino. Maviael buscou outra solução:

- Em 1998, ele mandou me buscar para resolver a questão. Fui à sua casa, em Recife, e o deputado ofereceu jóias como pagamento. Passei das 17h de domingo até a madrugada da segunda escolhendo as jóias. Eram anéis, pulseiras, colares, tudo etiquetado com os preços. Recolhi as peças e caí na estrada para vender tudo.

Tempos depois, Maviael descobriu que fora enganado:

- Vendi jóias a prazo em João Alfredo, Bom Jardim, Orobó, Limoeiro, Surubim. Quando fui receber a segunda prestação, o povo estava reclamando porque tinha descascado tudo. Foi aí que entendi que ele me pagou com jóias que na verdade eram bijuterias. Tive que recolher o que tinha vendido e devolver o dinheiro - contou ele, lembrando que, depois disso, não teve mais acesso à família de Severino.

Em João Alfredo, não falta gente cobrando de Severino os cheques sem fundo. Mas, ao contrário de fevereiro - quando exibiam os cheques - agora dizem que "amigos de confiança" do presidente da Câmara os recolheram prometendo pagamento. Manoel Severino de Moura diz ter entregue há 15 dias um cheque de R$15 mil assinado por Severino e devolvido por falta de fundos em 12 de junho de 2002. Na quinta-feira, um dos aliados do deputado esteve na loja de Moura perguntando se ele ainda tinha o cheque do presidente da Câmara e o recolheu.

Legenda da foto: O BONECO DE Severino na festa em João Alfredo