Título: ESPERANÇA, APESAR DE TUDO
Autor: João Paulo dos Reis Velloso
Fonte: O Globo, 11/09/2005, Opinião, p. 7

Diante da atual crise política, uma das mais graves que o país já enfrentou - porque afeta boa parte dos partidos políticos e das instituições do estado brasileiro -, gostaria de dizer três coisas.

Primeiro: uma reflexão a respeito das conseqüências da crise sobre a sociedade, as lições que parte das lideranças nacionais está dando ao povo.

Lições de falta de ética, de descumprimento das leis, de uso da coisa pública em benefício próprio ou de partidos políticos. Lições de que os fins justificam os meios, para alcançar o poder ou a riqueza.

Lições de que a democracia não leva ao "bom governo".

Diante da crise, a sociedade tem direito à indignação, à revolução do cumprimento da lei, da punição dos culpados Ö sem caça às bruxas.

Direito a pensar e fazer coisas em benefício do velho "sonho brasileiro" Ö o desenvolvimento. Desenvolvimento econômico, social, político, institucional, cultural, ético e espiritual.

Segundo: fugindo à tentação de viver com pena de nós mesmos, é preciso descer às raízes da crise, voltando-nos para a reforma das instituições do Estado brasileiro Ö Executivo, Legislativo e Judiciário (e partidos políticos).

Porque há algo de errado em parte dessas instituições. Por isso, se não houver reformas, logo mais novas crises virão. Reformas, numa visão de processo, que, por etapas sucessivas, permitam ter, no país, uma "década de reformas".

É a idéia de uma agenda alternativa, para o país não ficar paralisado, vendo a banda das CPIs passar.

Nessa agenda, temos: revisão do relacionamento entre os poderes; reforma política (inclusive sistema de partidos e sistema eleitoral); reforma do judiciário (e do ministério público); reestruturação administrativa Ö com avanço para a "administração permanente"; novo regime fiscal; levar o Estado às favelas e periferias urbanas.

Tudo isso dentro de duas idéias básicas:

a) transparência no Estado;

b) e, como já se disse: "No Brasil, fazer cumprir a lei é revolucionário."

Desta forma, vai-se começar pelo tema político-institucional, passar ao econômico e terminar no social, razão maior da existência das instituições do Estado.

Terceiro: é possível ter esperança. De um lado, porque as instituições estão funcionando e, esperamos, deverão chegar a resultados. A democracia está funcionando, embora o povo se encontre, em grande medida, desiludido da política. E, até, possuído de certa ira sagrada, que não é privilégio divino.

De outro lado, porque a economia continua funcionando bem (embora saibamos que, na sociedade, não há compartimentos estanques).

Funcionando bem, pelos progressos realizados na política econômica e também nas empresas (estas, no tocante a competitividade e inovação).

Diante disso, é possível avançar, gradualmente, no sentido da superação do atual "patamar de transição". Saímos da fase de "vôos de galinha" (crescimento num ano e estagnação no ano seguinte), mas não estamos, ainda, num novo ciclo de crescimento sustentado.

A palavra final, portanto, é - esperança, apesar de tudo.

JOÃO PAULO DOS REIS VELLOSO foi ministro do Planejamento (1969-1979).

Não estamos, ainda, num novo ciclo de crescimento sustentado