Título: TIROS DOS PERSONAGENSDA CRISE ATINGEM OS PÉS
Autor: Gerson Camarotti
Fonte: O Globo, 11/09/2005, O País, p. 11

Declarações e atos se voltam contra autores

Se os personagens da crise política fossem caçadores, os animais respirariam aliviados: ruins de pontaria, costumam atirar no próprio pé. Às vezes também se atrapalham com a munição e, não raro, cometem aquele erro que virou ditado: atiram no que vêem e acertam no que nem imaginavam existir.

Um tiro no pé histórico foi disparado pelo presidente Lula no ano passado, na época em que o PTB e o PT selaram uma aliança inédita para as eleições municipais. Lula disse que daria um cheque em branco a Roberto Jefferson, então presidente do PTB, e iria dormir tranqüilo. Pode até ter dormido, mas quando acordou a realidade era o pesadelo.

Jefferson, que durante muitos anos foi caça para o PT, viveu seus dias de caçador ao denunciar o mensalão em maio deste ano. Mas acertou um tiro certeiro no pé com a história de que recebeu R$4 milhões do PT, não declarados ao TSE, para ajudar seu partido nas eleições. Deu munição para ser cassado, com dois esses.

Já o publicitário Duda Mendonça achou que preservaria sua imagem indo espontaneamente depor na CPI dos Correios depois de ser ouvido pela Polícia Federal. A lógica de rinha, segundo a qual galo que não dá toma, falhou: ao declarar que tinha recebido R$10 milhões de Marcos Valério numa conta no exterior, deu a senha para que a PF rastreasse suas movimentações financeiras além-mar. E perdeu contratos no governo.

Severino Cavalcanti também foi colhido por um disparo desastrado que o abateu nos píncaros da glória: deu entrevista defendendo penas brandas para quem usou caixa dois em campanha e acabou denunciado por recebimento de propina.

Um tiro no pé pode ser ainda pior quando é disparado diante de câmeras: o petista Paulo Pimenta foi flagrado entrando no carro de Valério na garagem do Senado. Queria encurralar a oposição com uma lista de fregueses de mesada do mineiro. Acabou perdendo a vice-presidência da CPI do Mensalão.

Mas o tiro no pé mais doído foi dado pelos políticos em fevereiro, quando 300 deputados de vários partidos elegeram Severino. A imagem da categoria só fez piorar.