Título: POLÍTICOS QUE ATROPELAM A LEI
Autor: Antônio Werneck/Dimmi Amora
Fonte: O Globo, 11/09/2005, Rio, p. 18

Escuta flagra suplente de Jefferson liberando carro irregular na Polícia Rodoviária Federal

Primeiro suplente de deputado federal pelo PTB, o empresário e político da Baixada Fluminense Fernando Gonçalves está sendo acusado de tráfico de influência depois de ser flagrado em escutas feitas no ano passado pela Polícia Federal pedindo ao inspetor Paulo Roberto Pinheiro da Cruz, da Polícia Rodoviária Federal do Rio, a liberação de um carro com IPVA atrasado. O carro - parado por patrulheiros durante uma inspeção de rotina na Rodovia Washington Luiz (Rio-Petrópolis), na altura do Belvedere - deveria ter sido apreendido e recolhido ao depósito, mas acabou liberado depois do telefonema.

O flagrante de desrespeito às leis do trânsito foi obtido pelo GLOBO em relatório e escutas feitos pela Polícia Federal e encaminhados ao Ministério Público federal e à Justiça federal. O trabalho é o fruto de mais de dez meses de escutas autorizadas pela Justiça que resultaram na operação Poeira no Asfalto, desencadeada em 2004 no Estado do Rio para coibir a máfia dos combustíveis adulterados.

Como primeiro suplente de seu partido, Fernando Gonçalves deverá ocupar um lugar na Câmara Federal caso o Congresso ratifique a decisão do Conselho de Ética da Câmara e casse o mandato do deputado federal Roberto Jefferson. Procurado pelo telefone em sua casa, Fernando Gonçalves, não retornou as ligações. Anteontem, empregados dele chegaram a dizer que o suplente de deputado retornaria os telefonemas.

A investigação mostra ainda que políticos do Rio de Janeiro usavam o mandato para pressionar funcionários públicos a defender interesses privados. As investigações também indicam grande influência dos detentores de mandato no principal alvo das investigações, a Polícia Rodoviária Federal.

Nas eleições municipais de Nova Iguaçu, Fernando Gonçalves ficou em terceiro lugar no primeiro turno com 11,9% dos votos. No segundo turno, apoiou o então candidato do PT a prefeito, Lindberg Farias, que acabou vencendo a eleição e atualmente governa o município. Na época, Fernando Gonçalves disse que a aliança nacional entre os dois partidos (em 2002 o PTB apoiou o PT na eleição de Lula) foi decisiva para seu apoio a Lindberg.

Ex-deputado já foi condenado

Ex-deputado federal, Gonçalves chegou a reconhecer que sua campanha foi prejudicada pelo fato de ter sido condenado ano passado por estelionato. O petebista foi acusado de fraudar autorizações de internação hospitalar, pagas pelo Sistema Único de Saúde (SUS) ao Hospital Escola São José, em Mesquita. A pena, de um ano e oito meses de prisão, foi convertida em prestação de serviços à comunidade e pagamento de multa de 40 salários-mínimos.

O patrulheiro Pinheiro era o chefe da 6ª Delegacia da Polícia Rodoviária Federal, em Piraí, no primeiro trecho da Via Dutra. Sob sua responsabilidade estavam mais de 60 quilômetros da mais importante estrada federal do estado (que liga o Rio ao estado de São Paulo). Cerca de 150 mil veículos percorrem todos os dias o trecho, entre o bairro de Jardim América (Rio) e Arrozal, em Piraí. Pinheiro foi preso durante a operação da PF e permanece na prisão por decisão judicial. Ele é acusado, juntamente com outros, de formação de quadrilha, envolvidos com a máfia do combustível.

Nas gravações, os policiais rodoviários mostram sempre muita intimidade com os políticos do PTB. O presidente do partido, Roberto Jefferson, aparece conversando com uma das policiais que tiveram os telefones interceptados por decisão da Justiça: Fátima Pino de Souza. Em uma conversa, eles falam sobre o processo administrativo de outro policial. Jefferson pede que ela fale diretamente com o chefe de gabinete do superintendente da PRF porque não queria interferir pessoalmente. Logo depois, Jefferson diz que não quer continuar falando porque os telefones estavam ruins.

Um outro policial, Luiz Carlos Roque, que também estava com os telefones grampeados, fala em vários telefonemas da influência de Roberto Jefferson junto à direção da PRF. Ele diz que foi à sede do PTB para tentar evitar que fosse retirado da chefia de um posto. Em outra ligação, ele agradece a um homem de apelido Preguinho, que seria parente do ex-deputado André Luiz, pela ajuda do deputado em mantê-lo no cargo. Mas lembra que foi Roberto Jefferson quem resolveu o problema.

As pressões aconteciam também junto aos fiscais da Receita do estado. O empresário Renan Leite de Macedo, dono de seis postos de combustíveis, trabalhava ano passado como assessor nomeado do deputado estadual Domingos Brazão (PMDB), dono de três postos. Renan teve seus telefones grampeados por ordem da Justiça por suspeita de que comprasse combustível sem nota fiscal. Nas gravações ele aparece falando com dois fiscais do ICMS.

Nos dois casos Renan pede que a situação de dois postos de combustível, um deles de sua propriedade, seja olhada "com carinho" pelos fiscais. De acordo com a Secretaria estadual de Finanças, os dois postos tinham sido autuados na época por problemas relativos às notas fiscais. Durante toda a conversa, Renan usa o nome de Brazão dizendo que o assunto era de interesse dele, que "é presidente da Comissão de Fiscalização do ICMS". Os dois funcionários marcaram conversas pessoais com Renan. Num trecho do diálogo, após se apresentar como assessor de Brazão a um fiscal da Inspetoria de Campo Grande, Renan mostra o interesse do deputado:

Renan - Tá bom. É a respeito dum... dum... espera aí. Só um minutinho (trecho com conversa paralela), Isso aqui o quê? É a respeito de um posto de gasolina. É LS... LS de Santa Cruz.

Fiscal - Foi autuado quarta-feira, também.

Renan - Ah! É esse aí.

Fiscal - É...

Renan - Ele tá pedindo para... esse aí ele pediu para olhar com carinho que ele tem grande interesse a respeito disso.

A Secretaria de Finanças esclareceu que as multas foram mantidas. Renan foi preso temporariamente durante a operação, acusado de corrupção, formação de quadrilha e advocacia administrativa. O juiz relaxou a prisão e ele aguarda o julgamento em liberdade. Segundo o advogado dele, Carlos Magno Amaral Oliveira, não há qualquer prova de que ele estivesse envolvido com a máfia dos combustíveis porque ele compraria combustível somente com nota fiscal e não tinha como verificar se essas notas eram falsas.

Quanto ao diálogo em que Renan liga para os fiscais, o advogado afirmou que ele estava ligando como empresário e não como assessor parlamentar. Segundo ele, na época vários postos foram autuados pela Secretaria estadual de Finanças e os empresários queriam que seus processos fossem vistos de forma individualizada, por acharem que não estavam errados. Renan pediu exoneração do cargo após deixar a prisão ano passado. O GLOBO entrou em contato com o deputado Domingos Brazão, mas ele não retornou as ligações. A deputada Cidinha Campos (PDT), que teve acesso a gravações da PF, entrou na quinta-feira com um pedido de investigação na Alerj para apurar quebra de decoro parlamentar de Brazão.

'Dá uma liberada nele lá pra mim'

Fernando Gonçalves, suplente de deputado federal e então candidato a prefeito de Nova Iguaçu, liga para o policial rodoviário federal Paulo Roberto Pinheiro da Cruz, então chefe da delegacia de Itaguaí, pedindo a liberação de um carro parado com o IPVA atrasado na Rio-Petrópolis. Segue o diálogo:

Pinheiro - Alô.

Fernando Gonçalves - Grande Pinheiro!!!!!!

Pinheiro - Fala.

Fernando - Fernando Gonçalves!

Pinheiro - Fala, meu filho, tudo bem?

Fernando - Tudo bom, irmão, beleza?

Pinheiro - Tudo...

Fernando - Tudo jóia, graças a Deus.

Pinheiro - Ah...

Fernando - Deixa eu te fazer um pedido, meu irmão. Tem um parceirão meu, que tem me ajudando bastante. O pai dele é da Igreja Batista. Coordena, tá ajudando a coordenar a minha campanha. Ele tava subindo a serra de Petrópolis e pararam ele na altura do Belvedere. A Polícia Rodoviária parou ele na altura do Belvedere. Tá com o IPVA atrasado e seguraram ele lá. Pô, dá uma liberada nele lá para mim, por favor...

Pinheiro pede a placa do carro para resolver o problema. O deputado liga em seguida para dar a placa. Os dois conversam sobre um pedido de saída de Pinheiro da delegacia por ele estar apoiando Fernando, então adversário de Lindberg Faria (PT), candidato à prefeitura de Nova Iguaçu. Pinheiro liga para um policial e pede para liberar o carro apreendido. Em seguida, os dois se falam novamente e Fernando agradece. Segundo o Detran, atualmente o veículo está em situação regular e sem multa.

INCLUI QUADRO: CONHEÇA TRECHOS DO RELATÓRIO DAS GRAVAÇÕES