Título: Sexo, queijo e cerveja em vez de trabalho
Autor: Antônio Werneck/Dimmi Amora
Fonte: O Globo, 11/09/2005, Rio, p. 20

Gravações registram omissão num acidente, saque de carga de caminhão e suborno de distribuidora de bebidas

Não foi somente tráfico de influência, envolvendo políticos, que a Polícia Federal constatou ao investigar policiais rodoviários do Rio. Durante o trabalho de ouvir e seguir os passos dos patrulheiros (alguns deles supostamente envolvidos com a máfia dos combustíveis) foi descoberto que policiais rodoviários atuavam desrespeitando as leis, em diversas áreas. O fato mais grave aconteceu no dia de Natal de 2003: apesar do intenso movimento nas estradas por causa do feriado, dois patrulheiros deixam de atender um acidente na Rio-Teresópolis porque estavam mantendo relações sexuais com uma mulher. E o pior: provavelmente dentro do próprio posto rodoviário.

O acidente aconteceu por volta das 14h30m. O telefonema, interceptado pelos policiais federais, durou cerca de 45 segundos. Um dos policiais rodoviários (o que está com a mulher) liga para outro patrulheiro de posto rodoviário diferente e pergunta se ele pode "puxar" o acidente. Na gíria policial quer dizer assumir a ocorrência.

- É, posso. Fazer o quê? - diz o outro policial.

Ao fundo, durante toda a ligação, a mulher geme.

- Grita, grita... - provoca o policial rodoviário.

Em seguida, a mulher é posta para falar no telefone com o patrulheiro no celular, parecendo estar em pleno ato sexual.

MP denunciou 52 pessoas, 21 delas policiais

A operação Poeira no Asfalto foi desencadeada em novembro de 2004 por policiais federais lotados em Brasília. No primeiro dia, 47 pessoas foram presas no Rio e em outros estados. Um mês depois, o Ministério Público federal denunciou 52 pessoas por crime de formação de quadrilha: 21 eram policiais rodoviários federais do Rio. Atualmente, segundo informou a assessoria de comunicação da Superintendência da Polícia Rodoviária Federal, 11 foram postos em liberdade; nove permanecem presos e um encontra-se foragido. As ordens de prisão foram expedidas pelo juiz da 2ª Vara Criminal Federal, que também autorizou 136 mandados de busca e apreensão.

Ao todo, 400 policiais federais e rodoviários federais foram mobilizados para a operação. Para que não houvesse vazamento de informações, os patrulheiros eram de Minas Gerais e Brasília. As investigações duraram mais de dois anos e contaram com escutas telefônicas autorizadas pela Justiça, que totalizaram mais de duas mil horas de gravação.

Uma minuciosa análise que vem sendo realizada pela Polícia Federal nos documentos apreendidos durante a operação Poeira no Asfalto está mostrando que os envolvidos na máfia dos combustíveis lavavam o dinheiro de propinas comprando imóveis em bairros nobres, carros e até iates. Quase sempre os bens eram postos em nomes de parentes. Há pelo menos um caso em que os bens foram passados para o nome da empregada doméstica de um dos implicados. As identidades não foram reveladas pelos responsáveis pelas investigações por estarem sob segredo de Justiça.

Nas investigações, os federais de Brasília e os procuradores do Ministério Público federal também identificaram outros crimes: em 2003, durante uma tempestade no Rio, dois patrulheiros são acionados para atender um acidente na estrada. Um caminhão transportando queijo havia tombado e a carga estaria sendo saqueada por populares. Os patrulheiros chegam ao local atirando para o alto para conter a multidão. Mas acabam, eles próprios, saqueando a carga.

- Os policiais foram flagrados colocando queijos na viatura - diz um patrulheiro comentando o assunto com outro.

Na mesma conversa, dois patrulheiros falam de um suposto "agrado" que uma distribuidora de cerveja fez: uma doação de 200 caixas de cerveja para os policiais. O problema é que os patrulheiros encarregados de pegar o "presente" teriam levado 30 caixas. Também há conversas gravadas em que um patrulheiro combina um "bico" com um homem que se identifica como engenheiro da Secretaria de Transportes. Os dois patrulheiros estariam de folga, mas ficou acertado que o trabalho seria feito com carro oficial e com os policiais fardados.

INCLUI QUADRO: SAIBA MAIS SOBRE OS RELATÓRIOS