Título: 'OS PRESOS VOLTAM MAIS AGRESSIVOS PARA A RUA'
Autor: Elenilce Bottari
Fonte: O Globo, 11/09/2005, Rio, p. 21

Inspetora Marina Maggessi defende a criação de uma lei orgânica que garanta autonomia para a Polícia Civil

Na última segunda-feira, a equipe da Polinter foi afastada em razão da revelação, feita pelo GLOBO, de que os presos eram obrigados a assinar uma declaração (cujo texto constava de um carimbo), assumindo a responsabilidade por sua integridade física. Entre os policiais atingidos pela punição está a inspetora Marina Maggessi. A equipe, responsável por importantes investigações, era líder no ranking das delegacias especializadas há quatro meses. Marina defende a criação de uma lei orgânica da Polícia Civil, para que a corporação tenha autonomia e respaldo para trabalhar. E alerta para o problema de superpopulação carcerária: "O preso da Polinter é o futuro da rua".

Por que vocês foram afastados?

MARINA MAGGESSI: Não sei. Tinha um carimbo? Tinha um carimbo. É um absurdo aquele carimbo? É um absurdo, vamos apurar. Eu não entendi até agora o papel daquele carimbo. Não serve para nada. Todo o nosso trabalho não foi levado em consideração. Onde está a minha instituição?

A polícia não tem respaldo para trabalhar?

MARINA: A polícia deveria ter uma lei orgânica, como o Ministério Público, onde o promotor não pode ser transferido. Isto é lei orgânica. É por isso que minha instituição tem que brigar, mais do que por cargos e salários. Enquanto não houver isso, a gente viverá à mercê de quem está aí.

Dê um exemplo do respaldo que faltaria na polícia.

MARINA: O doutor Astério (Astério Pereira dos Santos, secretário estadual de Administração Penitenciária). A atitude dele de manter o traficante Elias Maluco em regime diferenciado e assumir a direção de Bangu I, para evitar que o diretor fosse preso (os advogados do bandido conseguiram uma ordem de prisão contra o diretor). Isso é que eu queria ver na minha instituição.

Vocês estão à mercê da opinião pública?

MARINA: Quem dera que fosse isso. Porque a opinião pública reconhece o nosso trabalho, mas não sabe da metade do que acontece.

O que está acontecendo no sistema carcerário?

MARINA: Esta questão da Polinter é muito antiga e precisa mudar. A maioria acha que é só prender e confinar. O problema é muito anterior, estrutural. Para aqueles presos, aquilo não é tão horrível, não, porque é assim que eles vivem. Na casa deles, quando são crianças, no barraco em que moram, dormem todos amontoados, não têm banheiro, não têm nada.

Então eles se acostumaram a viver como bichos?

MARINA: Não, como bichos, não. Os bichos têm ONGs que os protegem. Os bichos têm passeata que defende os direitos deles. É pior do que isso. O abandono que existe hoje na favela vai voltar ruim para a rua, não tem jeito. O preso da Polinter é o futuro da rua. A sociedade tem que entender que esses presos voltam mais agressivos para a rua. É uma fábrica de monstros.

Qual o perfil deles?

MARINA: Ali só tem miserável. Nós não deixamos ficar ali nenhum chefe do tráfico com poder de corrupção, de liderança. São rapazes de 18 a 25 anos, semidoentes mentais. Eles têm entre dez a 20 palavras no vocabulário, não têm dentes, não sabem pensar. São criados na cocaína. Não têm qualquer tipo de instituição por trás deles. Então o que acontece? Eles não têm família, escola, nada. Qual é a instituição que sobra? A facção.

O crime organizado?

MARINA: A facção não é crime organizado. É mentira. Isso não é uma grande organização. Facção é time de futebol. É paixão. E isso não é bom. Eles são xiitas.

Se a facção não é crime organizado, por que eles precisam tanto dela?

MARINA: Para pertencer a alguma coisa. Eles não pertencem a nada. Então eles são ADA, CV, Terceiro Comando. Pergunta para eles por quê? Não sabem. A prova disso é que a Rocinha dormiu CV e acordou ADA. Você conhece alguém que dormiu Vasco e acordou Flamengo? Não existe qualquer compromisso grande de crime organizado. É pobre brigando com miserável.

Então não existe crime organizado no Rio?

MARINA: Não no tráfico. Existe crime organizado nas grandes esferas. O crime organizado está onde tem influência e poder. Então o que existe hoje no tráfico da rua é este perfil da Polinter. Essa molecada que não tem advogado, não tem ONG, não tem dinheiro. Eles são extremamente viciados.

Se eles são tão abandonados e pobres, como conseguem ter fuzis?

MARINA: Os fuzis chegaram aqui no início da década de 90, quando havia muito dinheiro rolando por causa da cocaína. Na década de 90, todo mundo cheirava, os intelectuais, era o grande lance. Só que isso mudou muito, principalmente depois da morte do jornalista Tim Lopes. Mas os fuzis não são perecíveis. Eles ficaram.

Se o problema é social, adianta realizar tantas operações policiais?

MARINA: Elas não acabam com o problema, mas ajudam a conter. É importante uma operação para prender o Bem-Te-Vi (traficante da Rocinha). Mas a operação tem que ser para tudo o que faz parte do problema. Por isso fez parte do nosso trabalho expor os jogadores de futebol que eram usados como departamento de marketing do Bem-Te-Vi. Ele faz um jogo beneficente para crianças e às 21h30m o Júlio Cesar (goleiro da Inter de Milão) vai lá jogar. Esse departamento de marketing serve para o Bem-Te-Vi vender cocaína. Daí chamar à responsabilidade esses caras, dizer "olha aí, Romário, teu filhinho está indo para o morro na mão do tio, daqui a pouco você é pai do filho do Pelé". A verdade é que não há avulso nesse processo. Todos fazemos parte. Todos têm a sua responsabilidade.

Como é o dia-a-dia dos presos na Polinter?

MARINA: É muito triste, porque ali eles não são mais aqueles bandidos sanguinários que estavam nas ruas. Eles ali não são mais nada. O preso da Polinter não pega nem sol. Nas alas, eles são separados por facções, ou modalidades de crimes, mas o conforto dos pastores evangélicos ali é a única coisa que eles têm, e nessa hora não tem facção. Ficam 300 a 400 homens em torno do pastor, rezando, cantando, e eles choram. Você vê a emoção daqueles homens que são tudo de ruim e aquelas letras dizendo que Jesus vai salvar, você vai vencer, você não está aqui à toa. Ali, estão todas as facções juntas. Eu vejo aqueles pastores chegarem lá no início da tarde, um lugar fedido, um calor de 50 graus. E ali não vai rolar sacolinha. Então, se esses pobres pastores podem mudar a realidade das facções, por que nós não pudemos?

Se você pudesse pedir alguma coisa agora, o que seria?

MARINA: Um novo espaço para continuar o meu trabalho com a minha equipe. Que me deixem trabalhar em paz.

"São rapazes sem dentes, que não sabem pensar. São criados na cocaína"

"Todo o nosso trabalho não foi levado em consideração"

Legenda da foto: MARINA MAGGESSI sobre a carceragem: "É uma fábrica de monstros"