Título: BRIGA POR SUCESSÃO PRODUZ OBITUÁRIO POLÍTICO DE CHIRAC
Autor: Deborah Berlinck
Fonte: O Globo, 11/09/2005, O Mundo, p. 42

Problema de saúde e impopularidade do presidente detonam disputa aberta de aliados para eleições de 2007

PARIS. Ele alimentou a fama de estadista com saúde de ferro. Eterno jovem de 72 anos. Mas o "pequeno acidente vascular" que afetou a visão do presidente Jacques Chirac e o obrigou a passar a semana num hospital militar - até sexta-feira -- poderá significar seu enterro político. Os médicos dizem que o presidente vai voltar à forma de antes, depois do repouso. Mas há dúvidas sobre o que Chirac realmente teve. O país, traumatizado com o exemplo de François Mitterrand - que passou anos escondendo que sofria de câncer - começa a enterrar agora as chances do presidente de concorrer a um terceiro mandato em 2007.

- Está cada mais improvável a perspectiva de um terceiro mandato. Independentemente do fato de Chirac ser muito impopular, os franceses se dão conta de que têm um presidente idoso, e isso toca no âmago da imagem de dinamismo de Chirac. Também não se conhece a extensão de seu problema de saúde. Como sempre, na França há um culto do segredo - disse ao GLOBO Pascal Perrineau, diretor do Centro de Estudos da Vida Política Francesa, em Paris.

Para imprensa, presidente tem poucas chances

Chirac tem uma imagem política imprecisa, indecisa, porque mudou muito de idéia em relação às políticas econômicas ou européias, explica Perrineau. Uma única coisa não mudava: sua imagem de candidato perpetuamente jovem.

O Palácio do Eliseu e os aliados fiéis do presidente alimentavam a imprensa com declarações do tipo "ele anda no quarto como um leão na jaula", "ele está louco para sair", ou"ele trabalha sem parar", para tentar perpetuar o mito do presidente energético. Mas a imprensa francesa é praticamente unânime: as chances políticas de Chirac são agora mínimas.

O problema de saúde recente liberou a cena política francesa para as ambições de outros candidatos. No seio do poder, abriu-se então a guerra entre dois pretendentes da direita ao comando da França: Dominique de Villepin, primeiro-ministro, um fiel escudeiro do presidente, e Nicolas Sarkozy, maior rival de Chirac na União para Movimento Popular (UMP), o partido dos três, que ele dirige. Villepin e Sarkozy se detestam, mas concordaram em dividir uma fatia do governo para reerguer o partido e a direita francesa, após a derrota no referendo sobre a Constituição européia, e tentar salvá-los da impopularidade crescente do presidente. Chirac e a UMP apostaram na aprovação da Carta e erraram: a maioria dos franceses a rejeitou.

Os dois assumiram discurso de candidato. No domingo passado, dia em que a internação de Chirac foi anunciada pelos jornais, Sarkozy assumiu abertamente o papel de aspirante à Presidência em rota de colisão com o presidente. Político 24 horas por dia, extremamente ambicioso, este moço com ares da década de 50 é o anti-Villepin: não se formou nas melhores escolas da elite francesa. E a França de hoje gosta disso.

Num encontro do partido em La Baule, Sarkozy se apresentou como "candidato da ruptura" e avisou que vai transgredir a política francesa dos últimos 30 anos, inclusive a de Chirac. Defendeu um novo modelo social para a França, e pregou que o partido "seja mais ambicioso que o governo nas suas escolhas econômicas e fiscais". E desafiou:

- Ninguém, realmente ninguém, vai me impedir de ir até o final e tentar estar à altura de 2007 (ano das eleições presidenciais) - disse ele.

Villepin também falou como candidato, ao se apresentar como "homem de mudanças na continuidade" e defender a modernização do sistema social francês. A imprensa francesa explorou isso:

- Até sábado à noite, Dominique de Villepin tinha o status de primeiro-ministro. Desde domingo, ele está no papel de sucessor (de Chirac) - disse um comentarista da rede de televisão LCI.

Mas apesar de o espaço de Villepin na mídia estar aumentando, analistas não têm ilusão: Sarkozy permanece hoje o político da direita mais popular da França e o que tem mais chances de ser o próximo presidente do país, já que a esquerda francesa está completamente dividia e sofre de uma série crise de identidade.

- Não se deve superestimar a dinâmica em torno de Villepin. Fala-se muito dele porque Chirac deixou o lugar vazio. Na ausência do presidente, é o primeiro-ministro quem responde. É a lógica das instituições. Mas ele continua claramente menos popular que Sarkozy. Os eleitores de direita consideram que o melhor é Sarkozy. Villepin tem problemas, ele nunca foi eleito para nada, e tem ar de aristocrata formado pela ENA (Escola Nacional de Administração, que forma a elite do país). Os franceses estão hoje numa rebelião contra este tipo de classe política - comenta Perrineau.

Sarkozy é pedra no sapato do presidente

Há outro problema com Villepin, lembra o analista: ele não tem a máquina do partido por trás dele. Já Sarkozy comanda o partido. A questão, agora, é saber se o presidente vai mesmo desistir de disputar um terceiro mandato. Chirac e Sarkozy já foram aliados quando este último iniciou sua carreira política. Mas a ruptura aconteceu quando Sarkozy resolveu apoiar a candidatura do então primeiro-ministro Edouard Balladur à Presidência, em 1995, contra o presidente. Chirac, que ganhou a eleição, jamais o perdoou por isso. Mas tem que suportá-lo porque ele, além de ser do partido, é dos políticos mais populares da França.

Legenda da foto: SARKOZY, CHIRAC e Villepin em imagem de arquivo: dois homens mais próximos ao presidente já assumem discurso de candidatos