Título: DOS CORONÉIS AOS CAMPONESES
Autor: Mariza Louven
Fonte: O Globo, 12/09/2005, Economia, p. 14

Lavradores assumem usina que já foi a maior da América Latina

RECIFE. Até 1950, ela era a maior usina da América Latina e sua produção movimentava o equivalente à economia de cinco cidades da Zona da Mata, onde se concentra a agroindústria açucareira de Pernambuco. Símbolo de poder dos chamados coronéis do açúcar que dominaram o estado por 400 anos, a Usina Catende é hoje exatamente o oposto do que sonhavam os aristocratas que a fundaram, em 1898: passou a ser gerida por camponeses, na maior experiência de autogestão do Brasil.

A inversão ocorreu porque os lavradores se recusaram a deixar seus postos sem que a indústria lhes pagasse os direitos trabalhistas. E lutaram na Justiça para assumir o comando da empresa.

A usina tinha hidrelétrica, estrada de ferro com 185 quilômetros de extensão, 22 locomotivas e muito dinheiro em caixa. Toda a economia da cidade de Catende, localizada a 146 quilômetros de Recife, girava em torno da indústria, que movimentava também o comércio de Jaqueira, Palmares, Xexeo e Água Preta ¿ por onde ainda se espalham os 26 mil hectares de seus 48 engenhos. A partir da década de 80, sem contar com os subsídios e financiamentos oficiais, a empresa entrou em decadência. A situação piorou em 1985 e ficou mais grave ainda em 1990, quando 2.300 trabalhadores foram demitidos sem que tivessem recebido seus direitos.

¿ Em dezembro de 1994, os jornais publicaram notas mostrando a luxuosa festa de réveillon promovida pelos proprietários da usina, o que deixou nossa categoria revoltada. Os cinco sindicatos se reuniram e traçaram juntos uma política para enfrentar a crise ¿ recorda Marivaldo Silva de Andrade, ex-cortador de cana no engenho Bálsamo da Linha e hoje administrador da massa falida da empresa, que os trabalhadores herdaram com um grande passivo.

A Catende tem uma dívida de cerca de um bilhão de reais, segundo os órgãos oficiais, e um patrimônio avaliado em R$90 milhões. Segundo o advogado dos trabalhadores, Bruno Ribeiro, o valor do patrimônio equivale à massa de créditos de seus três mil demitidos. Sem receber as dívidas trabalhistas, os lavradores não se amedrontaram diante do volume do passivo da empresa, pediram a falência da usina e terminaram por assumi-la.

¿ Em vez de fragmentar o patrimônio rural e industrial, os lavradores preferiram mantê-lo. Hoje eles evoluíram de assalariados para trabalhadores que praticam a agricultura familiar ¿ explica Ribeiro.

Segundo o Presidente da Federação dos Trabalhadores de Agricultura de Pernambuco, Aristides Santos, o modelo de gestão da Catende despertou o interesse de outras instituições e vem sendo incentivado pelo governo federal. Ele lembra que a usina sobreviveu a uma enchente e a um incêndio e mesmo assim vai superando a crise.

A usina está em situação judicial de falência, mas o processo ainda não foi concluído porque seus antigos proprietários desmembraram seis mil hectares como pagamento a uma credora da usina. Os lavradores alegam que a doação foi fictícia, pois a empresa beneficiada seria dos ex-donos da usina. O GLOBO não conseguiu localizar os empresários para comentarem a negociação.