Título: FALTA ESTATURA
Autor:
Fonte: O Globo, 13/09/2005, Opinião, p. 6

Severino Cavalcanti parece ter tentado repetir Antonio Palocci. Atingido por denúncias, convocou a imprensa para uma entrevista coletiva ao meio-dia do domingo. Até no horário imitou o ministro. Também como Palocci, colocou-se à disposição dos repórteres, sem limitações. Mas as semelhanças com a entrevista do ministro da Fazenda acabam aqui.

Antes de responder às perguntas, o presidente da Câmara dos Deputados leu de forma titubeante um texto ¿ escrito, tudo indica, por advogado ¿ para, no final da entrevista, não conseguir afastar qualquer das suspeitas que pairam sobre ele. Pelo contrário, conseguiu criar mais uma, por ter contratado um polêmico perito pernambucano, conterrâneo, para retrucar o laudo positivo feito sobre o documento de abril de 2002 pelo qual, ele, na condição de primeiro-secretário da Câmara, estendeu, ou teria estendido, a concessão do restaurante ao empresário que o acusa, Sebastião Augusto Buani.

Severino voltou da turnê por Nova York decidido a não ser sensato. E, assim, garantiu que não se afastará do cargo. Com isso, será um fator de perturbação, pois não permitirá que as investigações da denúncia de que cobrou propina a Buani transcorram sem prejudicar o andamento dos trabalhos na Câmara. O que seria essencial nesse momento em que a primeira indicação para cassação de mandato, o de Roberto Jefferson, chega a plenário, e outras cassações, propostas pelas CPIs dos Correios e do Mensalão, precisarão ser encaminhadas pela Mesa ao Conselho de Ética.

A teimosia de Severino Cavalcanti amplia o campo minado no cenário político. Cria, por exemplo, uma armadilha para o presidente da República, por lhe pedir apoio sob o argumento capcioso, segundo se comenta, de que sem ele no principal posto da Mesa da Câmara estará escancarada a porta para o processo de impeachment.

A manobra, se confirmada, não passa de chantagem rasteira a que não podem se submeter o presidente e o PT. Ou Lula está seguro de que não enfrentará um processo de impeachment porque nada tem a ver com o mensalão e esquemas delubianos, independentemente de quem presidir a Câmara, ou a crise política é mais séria do que se imagina.

A postura insensata de Severino também requer da oposição uma resposta adequada. Que não é obstruir os trabalhos no plenário da Casa enquanto ele for presidente. Isso significaria fazer o jogo dos candidatos à cassação, para quem quanto mais tumultuado for o dia-a-dia na Câmara, melhor. Felizmente, ontem, lideranças oposicionistas antecipavam que a decisão do bloco será cumprir a pauta da Casa, sem prejuízo, é claro, do encaminhamento do pedido de cassação de Severino, por falta clamorosa de decoro. O importante é todos, governo e partidos, entenderem algo muito simples: o deputado Severino Cavalcanti, líder supremo e ideólogo do baixo clero, não tem estatura para presidir a Câmara dos Deputados. Mesmo que nada seja provado contra ele ¿ o que será muito difícil acontecer.