Título: A CONFIANÇA DO CONSUMIDOR
Autor: RICARDO MORISHITA
Fonte: O Globo, 13/09/2005, Opinião, p. 7

Em 1991 entrava em vigor no país o Código de Defesa do Consumidor, conjunto de 119 artigos editados com a finalidade de proteger os cidadãos. Mais do que uma lei, o Brasil ganhava, naquele momento, um novo patamar de cidadania.

Com o código, foram estabelecidos padrões mínimos de qualidade para os produtos e serviços colocados no mercado. O consumidor, que dispunha apenas de leis para situações específicas, passou a contar com uma ferramenta que garantia direitos básicos, como a informação e a boa-fé, aplicáveis a qualquer relação de consumo.

No Brasil, a história do Código, que é considerado uma das mais modernas leis consumeristas do mundo, confunde-se não só com a do movimento de defesa do consumidor, mas com a da própria democracia. As primeiras entidades representativas surgiram na década de 70, sob influência da Declaração Internacional dos Direitos do Consumidor. Em 1976 foi criado o Procon São Paulo, num período em que a população passava por uma grave crise econômica e as capitais enfrentavam problemas no setor habitacional, fruto da industrialização.

Com a edição da Lei do Inquilinato, milhares de consumidores passaram a procurar os Procons para calcular reajuste de aluguel ou tirar dúvidas sobre os contratos. A defesa do consumidor passou a estar atrelada a uma noção de proteção econômica dos interesses dos consumidores e de acesso à Justiça fora da via judicial. Em 1988, a defesa do consumidor foi incluída no rol das garantias fundamentais dos cidadãos da Constituição.

No dia 11 de setembro, o CDC comemora quinze anos de edição. O momento é importante não só para recordar o contexto em que a lei foi criada, mas também para refletir sobre o futuro da defesa do consumidor. Um dos principais desafios que vejo é a garantia do direito à informação. A falta de informação clara, correta e ostensiva compromete o direito de escolha e o controle social que o consumidor pode exercer no ato da compra. Pode ainda levar o cidadão de baixa renda a uma exclusão no consumo ou até a um déficit alimentar.

Nesse sentido, a implementação do Sistema Nacional de Informações de Defesa do Consumidor (Sindec), que deve unir em rede as bases de dados dos Procons de todo o país, é uma contribuição do Ministério da Justiça ao fortalecimento estratégico do direito à informação. Com a união e a informatização destes dados, o consumidor pode checar se há reclamações contra o fabricante de um produto que ele pretende adquirir e se prevenir de eventuais danos.

Também é preciso que aqueles que exercem a defesa do consumidor procurem cumprir essa tarefa num horizonte mais amplo, contribuindo para um processo de inclusão e justiça social. Uma das maneiras de se fazer isso é tentar enxergar, a cada posicionamento e a cada decisão, o consumidor futuro e também o de baixa renda, que muitas vezes não tem conhecimento do que a lei lhe garante.

Por fim, é urgente a necessidade de melhorar o diálogo entre fornecedores e consumidores. É importante que essa relação seja reconstruída e se torne mais equilibrada, transparente e acessível. Caso contrário, é razoável pensar que, cada vez mais, o único critério que os consumidores levarão em conta para escolher seus produtos será o preço, o que incentivaria a pirataria e a informalidade.

Garantia de qualidade do produto e bom atendimento são características que os consumidores de hoje esperam dos fornecedores. A ausência destas características compromete a credibilidade da empresa e a confiança do consumidor, colocando em risco o valor atribuído às marcas e a própria sustentabilidade das empresas.

A defesa do consumidor não está dissociada do desenvolvimento econômico e da responsabilidade social, que também deve ser exercida pelo setor privado por meio de políticas de respeito ao consumidor. Sem isso, é difícil pensar na construção de uma sociedade justa e solidária.

RICARDO MORISHITA é diretor do Departamento de Proteção e Defesa do Consumidor da Secretaria de Direito Econômico do Ministério da Justiça.