Título: BUROCRACIA CENTENÁRIA
Autor: Carlos Vasconcellos e Luciana Rodrigues
Fonte: O Globo, 13/09/2005, Economia, p. 23

Brasil fica na 119ª posição entre 155 países do ranking de ambiente de negócios

O relatório ¿Doing Business 2006¿, divulgado ontem pela International Finance Corporation (IFC), órgão do Banco Mundial (Bird), traz uma notícia ruim para o Brasil, que ficou entre os últimos no ranking que mede a facilidade para desenvolver negócios. Com a 119ª posição entre 155 nações, a pesquisa faz um retrato do pesadelo burocrático em que vivem os empreendedores brasileiros. A base de dados da pesquisa é relativa a janeiro de 2005 e ainda não leva em conta o importante avanço da nova Lei de Falências, aprovada este ano.

¿ Com essa nova lei, calculamos que o tempo de um processo de falência pode cair de dez para cinco anos, e a recuperação do investimento pode subir de US$0,03 para US$17 em cada US$100 investidos ¿ explica Marcelo Rocha Lu, analista-consultor do IFC.

Saída é regulação eficiente, diz Bird

Salvatore Milanese, responsável pela Área de Reestruturação de Empresas da consultoria KPMG, lembra que a antiga Lei de Falências datava da década de 1940. As regras para pedir concordata eram muito rígidas e não conseguiam recuperar a empresa, apenas ¿prolongavam a sua agonia¿. Com a nova lei, fica mais fácil preservar a empresa e aumentam as garantias aos credores, o que, num segundo momento, pode levar a uma redução nos juros cobrados de empréstimos no país.

¿ Mas a lei é muito nova, entrou em vigor em junho. É preciso esperar para saber o quanto dos benefícios trazidos pela lei será sentido na prática ¿ diz Milanese.

A mudança pode fazer o país avançar na próxima edição do ranking. Este ano, o desempenho do Brasil também foi prejudicado pela inclusão de 20 novos países na pesquisa e de três novos itens na avaliação: impostos, licenças e comércio exterior.

Do ano passado para cá, o país não melhorou no tempo para abrir uma empresa: 152 dias. No Chile, país latino-americano mais bem colocado (25º), esse tempo cai para 25 dias.

O IFC lembra, no entanto, que o estudo leva em conta apenas aspectos legais e burocráticos. Não entram na equação variáveis como crime, violência, localização estratégica ou mesmo tamanho do mercado.

O relatório também observa que o segredo dos países que facilitam negócios não está na desregulação do mercado, e sim numa regulação eficiente. Ou seja: leis mais simples, que tornem as empresas mais produtivas; e intervenções focadas em garantir o direito de propriedade e oferecer serviços sociais de boa qualidade.

¿ Mantidas todas as demais condições, se o Brasil equiparasse os indicadores da pesquisa aos indicadores do Chile, o crescimento do PIB seria 2,2 pontos percentuais maior ¿ compara Rocha Lu.

O estudo também afirma que é preciso estimular a abertura de negócios formais, pois sem isso caem a geração de emprego e o crescimento da economia. O analista do IFC faz outra comparação com o Chile: se o Brasil tivesse os mesmos indicadores chilenos, a parcela da economia informal no PIB poderia recuar em nove pontos percentuais.

À frente da fabricante de trufas caseiras Chocolates da Gláucia, no Rio, a microempresária Gláucia Carvalho sabe o preço da informalidade. Ela lamenta não conseguir ampliar sua produção por falta de registro. Há 12 anos no mercado, já tentou sem sucesso formalizar seu negócio. O mais difícil, segundo ela, é atender às normas do Ministério da Saúde, que exige para a fabricação de alimentos que a empresa esteja instalada em imóvel independente, ou seja, não pode ser uma sala num edifício comercial. Sem o registro, o jeito foi continuar a produção semanal de cinco quilos de trufas num apartamento de Ipanema:

¿ Sem CNPJ, não posso comprar matéria-prima mais barata, direto na fábrica. Minha produção fica limitada e já recusei encomendas porque não consigo crescer ¿ conta.

Um dos motivos do mau desempenho do Brasil foi a inclusão dos impostos na avaliação. A pesquisa criou uma empresa fictícia, a TaxpayerCo. (Contribuinte & Cia.) e pediu a especialistas que avaliassem o custo tributário e a burocracia envolvida no processo. No Brasil, a carga equivale a 147,9% do lucro bruto, abaixo apenas de Serra Leoa e Burundi. Além disso, o tempo gasto para atender às exigências tributárias no país chegou a 2.600 horas de trabalho.

País é o 7º pior no tempo gasto

O IFC também mediu o custo e o tempo para conseguir todas as licenças para construir um armazém de dois andares, com 1.300 metros quadrados, para uma empresa de porte médio. Embora o custo do Brasil não tenha sido dos piores, o país foi o 7º pior no tempo gasto para as autorizações: 460 dias.

Para Fábio Bartolozzi Astrauskas, da Siegen, consultoria especializada em recuperação de empresas, o relatório do IFC mostra as contradições da economia brasileira:

¿ Do ponto de vista macroeconômico, vamos muito bem. Mas, na microeconomia, ainda enfrentamos uma burocracia muito grande.

Para o presidente da Associação Comercial de São Paulo, Guilherme Afif Domingos, a burocracia vai contra a própria Constituição.

¿ Está no artigo 170: é assegurado a todos o livre exercício de qualquer atividade econômica, independentemente de autorização de órgãos públicos, salvo nos casos previstos em lei ¿ diz. ¿ É um desrespeito ao espírito da lei.