Título: PRESSÃO AMERICANA AMEAÇA REFORMA DA ONU
Autor: Helena Celestino
Fonte: O Globo, 13/09/2005, O Mundo, p. 29

Embaixadores e funcionários da entidade tentam negociar alterações exigidas pelos Estados Unidos

NOVA YORK. Faltando dois dias para o início da maior reunião de líderes mundiais na ONU, os diplomatas e funcionários da organização internacional estavam ontem à beira do pânico. O documento que seria a base das grandes mudanças nas Nações Unidas para adaptá-la às exigências do século XXI ainda não estava pronto e profundas divergências continuavam impedindo a redação do texto a ser assinado pelos líderes mundiais, que já começaram a chegar a Nova York.

¿ O meu medo é que terminemos fazendo uma reunião de palavras vazias e promessas quebradas ¿ disse Mark Malloch Brown, chefe de Gabinete do secretário-geral da ONU, Kofi Annan.

Embaixador americano apresentou 500 emendas

A Cúpula Mundial de 2005 se iniciará amanhã e emendará sábado com a abertura da 60ª Assembléia-Geral da ONU, mas estava difícil um acordo sobre a grande reforma da instituição, lançada com pompa e circunstância há dois anos pelo secretário-geral, na primeira reunião mundial após a invasão americana no Iraque. Relatórios sucessivos foram feitos e refeitos durante todo este ano, com propostas para atualizar as resoluções sobre terrorismo, desenvolvimento, direitos humanos assim como reformar os vários órgãos da ONU.

Mas todo o processo foi tumultuado quando o novo embaixador americano nas Nações Unidas, John Bolton, chegou no meio de agosto e apresentou 500 emendas ao texto, ou seja, explicitou 500 discordâncias entre a visão dos Estados Unidos e da maioria dos outros países representados na entidade.

Um grupo de 32 embaixadores, entre eles Ronaldo Sardenberg, do Brasil, iniciou uma maratona de negociações, conseguindo fazer as divergências caírem para 200 na sexta-feira e, depois de um fim de semana inteiro trancados em salas de reunião, chegou a reduzi-las ainda mais.

Mas estas últimas diferenças são difíceis de ser superadas. Os Estados Unidos querem acabar com o Alto Comissariado de Direitos Humanos e, no lugar dele, criar um Conselho de Direitos Humanos. Pretendem também mexer profundamente no gerenciamento da organização internacional, sacudida pelo escândalo do desvio de dinheiro do programa petróleo por comida, que deveria gerenciar a troca de petróleo por alimentos e medicamentos na época do embargo ao Iraque de Saddam Hussein por razões humanitárias. Os americanos também não concordam com as definições sobre terrorismo e as salvaguardas para evitar a proliferação de armas nucleares.

¿ O acordo esfacelou-se na noite passada e hoje (ontem) de manhã ¿ disse Richard Grennell, porta-voz do embaixador americano.

A divisão em torno do gerenciamento é simples: os países desenvolvidos pretendem contratar auditores externos para fiscalizar o orçamento da organização e dar mais poder aos 15 membros do Conselho de Segurança, enquanto as nações em desenvolvimento querem concentrar as decisões mais importantes na Assembléia-Geral, o fórum que reúne os 191 países-membros.

¿ Não podemos continuar deixando a Assembléia-Geral funcionando como agora, isso nunca deu certo ¿ disse o porta-voz da missão americana.

Reforma do Conselho de Segurança ficou de fora

Sobre a reforma do Alto Comissariado de Direitos Humanos, as divergências estão em torno do momento de fixar as normas para escolher os países a serem representados no novo Conselho de Direitos Humanos. Mas nessa maratona de negociações, a reforma do Conselho de Segurança ficou de fora do atual documento e as metas do milênio para reduzir a pobreza minguaram. Os 180 líderes terão um documento para assinar, mas ele estará bem distante da maior reforma já realizada nos 60 anos de funcionamento da ONU, como idealizara Annan.