Título: De frente para a destruição
Autor:
Fonte: O Globo, 13/09/2005, O Mundo, p. 28

Em baixa, Bush percorre Nova Orleans e nega que racismo e guerra tenham atrapalhado socorro

NOVA ORLEANS

Criticado pela oposição e até por membros de seu próprio partido, e enfrentando os menores índices de popularidade de seu governo, o presidente dos EUA, George W. Bush, visitou ontem pela primeira vez a devastada cidade de Nova Orleans. Ele afirmou que as acusações de que racismo ou a guerra no Iraque prejudicaram o trabalho de recuperação das áreas atingidas pela furacão Katrina são improcedentes.

Entidades de direitos humanos acusaram o governo de não ter feito um plano de retirada da população pobre ¿ quase toda negra ¿ de Nova Orleans, que não tinha como sair da cidade, e de ter demorado a ajudar os desabrigados por motivos raciais.

¿ A tempestade não discriminou (vítimas) e o esforço de recuperação também não fará isso. Quando os helicópteros estavam retirando pessoas dos tetos, eles não checavam a cor da pele das pessoas ¿ disse Bush.

O presidente reagiu com irritação também a perguntas sobre se a guerra no Iraque prejudicou os trabalhos:

¿ É ridículo afirmar que o deslocamento de forças para o Iraque significa que não há soldados suficientes. Temos muitos soldados para fazer os dois (trabalhos).

Analistas dizem que o fato de Bush ter feito sua terceira visita em nove dias à região afetada é uma tentativa de conter a queda de popularidade. Uma pesquisa publicada na ¿Newsweek¿ indicou que só 38% dos americanos aprovam o trabalho de Bush, o menor índice de seu governo.

Em sua primeira visita a Nova Orleans, as cenas vistas por ele foram de devastação. Apesar de as águas já terem baixado bastante, 40% da cidade ainda está inundada. Nas áreas em que a água já baixou, aparecem bairros inteiramente destruídos.

O número oficial de mortos já chegou a 500. Até ontem já tinham sido confirmadas as mortes de 279 pessoas na Louisiana, 214 no Mississippi e sete na Flórida. Os números do Alabama não foram divulgados. Teme-se, porém, que muitos corpos ainda possam ser encontrados em casas que não foram vistoriadas pelas autoridades.

Aeroporto deve abrir hoje para cargas

O diretor da Agência Federal de Gerenciamento de Emergência, Michael Brown, pediu demissão ontem. Apontado por Bush para o cargo, ele já fora afastado na sexta-feira depois de ser acusado de incompetência.

Se Brown foi um fracasso na recuperação da cidade, Nova Orleans já tem um ícone na luta contra o caos. É o tenente-general Russel Honore, que está sendo chamado de Ragin¿ Cajun (algo como: habitante de Louisiana furioso). Duro com bandidos mas respeitoso com sobreviventes desesperados, ele conquistou a cidade do jazz. Ordenou que seus homens andassem com os fuzis abaixados em respeito à dor dos moradores e, ao contrário do que algumas autoridades pediram, fornece comida e água para quem preferiu ficar em Nova Orleans.

Sua aparição ganhou ares de mito depois que se espalhou a história que nasceu durante um furacão dentro de uma casa. Criado na Louisiana, ele tem ligações familiares (sua filha morava lá) e afetivas com a cidade. Quando criança, ficou dois meses em tratamento num hospital da região.

¿ Você não pode ganhar o primeiro tempo contra um desastre. É impossível. Mas trate de ganhar o segundo tempo, cuide dos desabrigados ¿ costuma dizer o general.

E, aos poucos, a cidade começa a se recuperar. Hoje, o aeroporto Louis Armstrong deve ser reaberto para vôos de carga. Amanhã, um porto voltará a receber contêineres. A Casa Branca deve pedir ao Congresso americano um pedido de mais US$50 bilhões (R$116 bilhões) para a recuperação das áreas afetadas pelo Katrina. Os senadores já destinaram US$62,3 bilhões (R$145 bilhões).

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