Título: CHINA 4 X 1 BRASIL
Autor: Eliane Oliveira/Martha Beck/Vladimir Goitia
Fonte: O Globo, 14/09/2005, Economia, p. 23

País perdeu US$892 milhões em quatro mercados. Dilma: salvaguarda sairá este mês

A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, disse ontem que a regulamentação do regime de salvaguardas - por meio de quotas ou tarifas - contra produtos têxteis e calçados provenientes da China deve sair até o fim do mês. Ela lembrou que os mais prejudicados com os artigos chineses são esses dois setores.

Enquanto isso, no mercado internacional, os brasileiros vão perdendo de goleada para os chineses. Por 4 x 1, para ser mais exato. O estudo "Comércio externo da China e efeitos sobre as exportações brasileiras", da Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (Cepal), órgão da ONU, mostra que, entre 1996-1997 e 2001-2002, o Brasil perdeu para a China em quatro de cinco mercados analisados. As perdas estimadas chegam a US$892,7 milhões.

As indústrias têxtil e calçadista reclamam do ingresso de produtos chineses no Brasil com preços abaixo do custo de produção. Dilma ressaltou, porém, que as salvaguardas serão destinadas para defender alguns setores, e não todos.

- Se destinarmos salvaguardas para tudo, estaríamos comprometendo a balança comercial. A China é um dos responsáveis pela manutenção da demanda na economia internacional, principalmente em energia, mineração e soja. Não se pode deixar de considerar os efeitos indiretos da economia chinesa - disse a ministra, que participou de um fórum em São Paulo.

Pelo levantamento da Cepal, os produtos brasileiros perderam espaço para os chineses nos Estados Unidos, na União Européia (UE), no Japão e na Ásia-Pacífico (Coréia do Sul, Hong Kong, Malásia, Indonésia, Filipinas e Cingapura). Só na Argentina o saldo foi positivo para o Brasil - US$11,7 milhões. Mas os ganhos foram considerados modestos pela Cepal e obtidos num período em que o mercado argentino passava por uma crise.

O maior prejuízo de competitividade do Brasil foi no mercado americano. O documento mostra perda de US$611,4 milhões, o que representa 6,3% do valor da média das exportações brasileiras para os EUA no biênio 2001-2002 frente a 1996-1997. O principal motivo é o baixo custo de mão-de-obra da China, que deixa mais baratos os produtos em relação aos brasileiros.

Desde o período analisado pela Cepal, a situação só se agravou. Segundo o vice-presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB), José Augusto de Castro, a China ficou ainda mais competitiva em relação ao Brasil graças ao câmbio altamente desvalorizado.

- Além disso, a China tem política de comércio exterior muito bem definida e com subsídios - afirma Castro.

Ele lembra que a pauta de produtos chineses também tem vantagens sobre a brasileira. São itens manufaturados que não sofrem alterações bruscas de preços no mercado internacional. Já o Brasil tem em sua pauta produtos básicos, como a soja, que estão sujeitos a altos e baixos no exterior. A China tem hoje 6% do comércio mundial, enquanto o Brasil tem apenas 1%.

- A política agressiva de comércio exterior da China tende a prejudicar mais os países em desenvolvimento, que são menos competitivos e ainda têm problemas de infra-estrutura - destaca o vice-presidente da AEB.

Calçados e têxteis são prejudicados

Um dos setores mais prejudicados, especialmente no mercado americano, é o calçadista. O diretor-executivo da Associação Brasileira das Indústrias de Calçados (Abicalçados), Heitor Klein, lembra que, em 1993, o Brasil tinha 14% das importações americanas de calçados, enquanto a China já detinha 47%. Hoje, os chineses têm 68% e os brasileiros, apenas 6%. A China também é o maior fabricante de sapatos do mundo e produz 7,8 bilhões de pares por ano. Já o Brasil, que é o terceiro, produz apenas 750 milhões.

- Os chineses são imbatíveis, mas se o real não estivesse tão valorizado, a situação seria melhor - disse Klein.

Outro setor em que o Brasil tem perdido muita competitividade é o têxtil. Segundo o superintendente da Associação Brasileira da Indústria Têxtil e de Confecção (Abit), Fernando Pimentel, os chineses têm uma política específica para esse setor - 20% da pauta de exportação chinesa são têxteis. Já o Brasil, além do câmbio desfavorável, tem uma carga tributária que é o dobro da chinesa, e poucos investimentos em infra-estrutura. Pimentel acredita que uma forma de atenuar a ameaça chinesa seria a assinatura de acordos comerciais.

(*) Especial para O Globo

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