Título: MAIS VÍTIMAS DA OMISSÃO
Autor: Ronaldo Braga
Fonte: O Globo, 15/09/2005, Rio, p. 17

Outros seis motoristas acusam polícia de se negar a recuperar carros roubados

Pelo menos outros seis motoristas que conseguiram localizar seus carros roubados com a ajuda de equipamentos de GPS (rastreamento por satélite) não receberam ajuda da polícia. O consultor financeiro Marcos Antônio de Abreu Ferreira decidiu subir o Morro da Chacrinha, na Tijuca, depois que PMs se recusaram a entrar na favela para recuperar seu veículo roubado pouco antes no mesmo bairro. Com uma chave reserva, ele tirou o carro do morro e o levou à 19ª DP (Tijuca), onde momentos antes registrara queixa. O assalto aconteceu em julho. Outros dois casos, em que a PM se recusou a entrar nas favelas da Fazendinha, em Inhaúma, e Furquim Mendes, no Jardim América, foram noticiados nos últimos dois dias pelo GLOBO.

A estudante de jornalismo Daniela Abíllio também precisou agir por conta própria. Ela teve o seu Nissan Frontier roubado por volta de 21h30m no dia 1º de junho na Rua Mariz e Barros, na Tijuca. Daniela contou que estava na 18ª DP (Praça da Bandeira) quando a empresa de monitoramento informou que o carro havia sido localizado na subida do Morro da Providência, na Gamboa.

- Tivemos que aguardar o término do registro na delegacia, que demorou, e fomos para a área. Liguei para o 190 pedindo ajuda e um senhor disse: "A senhora tem que entender que não podemos fazer isso agora, pois é uma área de risco e é ordem da governadora Rosinha evitarmos confronto".

Ela contou ainda que, na 4ª DP (Central), delegacia perto da Providência, um policial a aconselhou a voltar para casa, dizendo que o carro seria recuperado no dia seguinte.

- Como pegariam meu carro no outro dia? Em que estado? Provavelmente "depenado", pois com um furo de bala ele já estava. Ou talvez o carro nem estivesse mais lá. Eu e meu pai decidimos ir ao local e recuperamos o carro por volta das 3h - contou Daniela.

Carcaça de carro foi achada após uma semana

Um aluno de engenharia de produção teve seu Audi A3 roubado, no ano passado, num estacionamento do campus da UFRJ na Ilha do Fundão. Os criminosos deixaram o estudante descalço, quilômetros depois, na Avenida Brasil. Segundo a mãe do rapaz, a arquiteta Maria Cecília Teixeira, por volta de 21h do dia do assalto a empresa de rastreamento informou que o veículo estava na Rua João Araújo, em Bonsucesso. Ela disse que telefonou para o 190 comunicando o fato e fornecendo a localização. Também ligou para a 21ª DP (Bonsucesso). No entanto, nada foi feito.

- Vinte minutos depois procuramos a 9ªDP (Catete), que fica perto da minha casa, para registrar o roubo do carro. Saímos de lá já de madrugada, com um boletim de ocorrência no qual o carro figura como "subtraído" e o destino, "ignorado" - contou Maria Cecília.

Na delegacia, um policial lhe disse: "Senhora, esta rua é dentro da Favela da Maré. A esta hora, nem 200 homens da polícia conseguem entrar na Maré". Quatro dias depois de o carro ter sido roubado, a página do Detran na internet informava que não havia qualquer restrição em relação ao Audi.

- A essa altura, no entanto, o carro já tinha desaparecido. Um sargento o procurou no dia seguinte ao assalto, de manhã, e não o encontrou - contou a arquiteta.

Uma semana depois, a carcaça do carro foi encontrada na Avenida Brasil, perto do Complexo da Maré. A arquiteta não tinha feito seguro e achara que o GPS seria garantia suficiente.

Outro caso de omissão da polícia foi denunciado pelo engenheiro X., que não quis se identificar. Ele teve o Toyota roubado no Largo da Taquara, em Jacarepaguá, no fim de março passado, por volta de 20h. A empresa de monitoramento garantiu que o carro estava na Cidade de Deus, numa rua próxima à Linha Amarela.

- Estive no 18º BPM (Jacarepaguá), depois de passar na 32ª DP (Jacarepaguá). Dois PMs me atenderam na porta e disseram que naquele hora era impossível ir à Cidade de Deus, que o caso seria resolvido no dia seguinte, que era uma sexta-feira - contou o engenheiro.

Toyota foi encontrado três dias depois, 'depenado'

De acordo com X., o Toyota foi encontrado na segunda-feira seguinte, "depenado", próximo ao Largo do Pechincha, também em Jacarepaguá.

- O que podemos fazer? Pelo menos o carro estava no seguro. Eles (os policiais) podiam ter ido buscar o veículo no sábado ou no domingo - disse o engenheiro.

O caso do empresário da área de vestuário Felipe Mascarenhas aconteceu em Piedade, perto da Universidade Gama Filho, em fevereiro passado, por volta de 19h. Seu carro, um Passat importado, foi encontrado no Morro Camarista Méier.

- Quando estive no 3º BPM (Méier), os policiais me disseram que não poderiam ir até lá porque era perigoso e que dependiam de "outras esferas" para entrar. Voltei para casa, em Jacarepaguá. Meu carro apareceu dois dias depois, perto do morro, "depenado". Levaram até as rodas - contou o empresário.

PM sugeriu que vítima fosse buscar o veículo

Jorge Medeiros também contou ter enfrentado a omissão da polícia. Segundo ele, há seis meses sua mulher foi assaltada na Zona da Leopoldina e teve o carro roubado. Logo depois, a empresa rastreadora informou a localização do veículo, na favela Parque União, na Maré. Jorge ligou para o número 190.

- Para minha surpresa, fui informado de que o lugar era muito perigoso e a polícia não entrava lá. O carro era deslocado de um lado para o outro com o passar dos dias, e eu informava o novo local. Mas a PM sempre alegava que o lugar era perigoso. Num determinado momento, até sugeriram que eu fosse buscá-lo ou mandasse a empresa rastreadora fazê-lo - contou.

Depois de alguns dias, o carro foi abandonado numa rua próxima à Avenida Brasil, na Penha.

- Por causa desses episódios, parece-me que há uma certa ciumeira da PM em relação às empresas rastreadoras - disse Jorge Medeiros.

Vítimas fazem manifestação contra a violência e pelo desarmamento

Revoltado com a falta de apoio da polícia para recuperar seu carro roubado, o artista plástico Sérgio Gonçalves, juntamente com outras vítimas da violência, fez ontem à noite uma manifestação pela paz e em favor do desarmamento na Galeria de Arte Almacén, de sua propriedade, no Casa Shopping, na Barra. Dentro de seu carro, um Dakota roubado quinta-feira passada na Via Dutra, havia cerca de 30 pinturas e livros do artista plástico Herton Roitman. O veículo foi localizado pelo sistema de rastreamento por satélite logo após o assalto. Com a informação de que o carro estava na Favela Furquim Mendes, no Jardim América, ele foi ao 16º BPM (Olaria), onde um policial lhe disse para desistir de recuperar o Dakota porque a comunidade é uma área de risco.

A PM também negou ajuda para recuperar o carro de um empresário que foi assaltado em 25 de junho. Com a ajuda do GPS, a empresa de seguro localizou o Toyota Hilux no Morro da Fazendinha, no Complexo do Alemão. Apenas três dias depois do roubo, funcionários da seguradora subiram a favela juntamente com policiais. O Toyota foi encontrado "depenado".

'A PM entra em qualquer lugar e a qualquer hora'

Em nota oficial, enviada ao GLOBO por e-mail, o comandante-geral da Polícia Militar, coronel Hudson de Aguiar, classificou como inadmissível a postura dos policiais que se recusam a entrar em favelas para recuperar veículos roubados e determinou rigorosa apuração das denúncias. "A Polícia Militar entra em qualquer lugar e a qualquer hora", afirmou o comandante no comunicado.

De acordo com a nota, o coronel Hudson de Aguiar enviou mensagem a todos os comandantes de batalhão, determinando que orientem os oficiais-de-dia a prestarem atendimento às vítimas e a providenciarem a imediata recuperação dos veículos localizados por equipamentos de rastreamento.

"Todo veículo furtado ou roubado encontrado, seja onde for, tem que ser resgatado rapidamente pela polícia, com o investimento do efetivo necessário, para que a ação, como qualquer outra em áreas de risco, seja desencadeada com profissionalismo e redução dos riscos aos civis inocentes que residem nas comunidades pobres", afirmou o comandante-geral na nota.

A PM informou ainda que policiais do 16º BPM (Olaria) fizeram uma operação na Favela Furquim Mendes para tentar localizar o carro do artista plástico Sérgio Gonçalves, roubado na quinta-feira passada. O veículo do artista plástico não foi encontrado, mas um Audi e um Fiat Uno roubados foram recuperados.

Instalação de sistema pode custar R$2 mil, fora a manutenção

Instalar um sistema de rastreamento num carro de passeio custa em média R$2 mil, sem contar a taxa de manutenção, em torno de R$50 por mês. Os preços variam de acordo com a empresa, o serviço oferecido e o tipo de tecnologia empregada. Segundo estimativas de empresários do setor, existem hoje no país cerca de 300 firmas especializadas em rastreamento e localização que monitoram de 300 mil a 500 mil veículos, a maioria nas regiões Sudeste e Sul. Para localizar os veículos roubados ou furtados, as empresas usam basicamente três tipos de tecnologia: GPS (satélite), radiofreqüência e celular.

Cláudio Reis, sócio da empresa Unitrac, que utiliza a tecnologia GPS, diz que em cidades como o Rio de Janeiro é possível descobrir em que rua está o veículo roubado ou furtado. Ele conta que os carros são equipados com um botão de pânico (um pouco menor do que uma moeda de cinco centavos) para ser acionado em momento de risco. O botão de pânico, segundo ele, permite que o trabalho de localização pela empresa comece antes mesmo que o veículo seja levado.

O executivo sustenta que em geral os carros roubados ou furtados são recuperados, mesmo dentro de favelas:

- Já houve casos em que a nossa escolta chegou à favela e foi recebida a tiros. Mas nesses casos pedimos auxílio à PM e fomos atendidos. O importante é deixar claro para o cliente que isso pode acontecer, mas nem todo mundo faz isso.

Legenda da foto: A MANIFESTAÇÃO realizada dentro da galeria de arte do artista plástico Sérgio Gonçalves, na Barra