Título: BC, enfim, reduz juros
Autor: Ênio Vieira/Ronaldo D"Ercole/Patricia Eloy/Vladimi
Fonte: O Globo, 15/09/2005, Economia, p. 27

Taxa básica cai apenas 0,25 ponto, para 19,5% ao ano. Para analistas, medida é inócua

Anunciando que a inflação está sob controle, o Comitê de Política Monetária (Copom) do Banco Central (BC) encerrou ontem o seu mais longo aperto nos juros: reduziu, após um ano e por unanimidade, a taxa básica Selic de 19,75% para 19,5% ao ano. A decisão confirmou as expectativas de analistas de mercado, que já esperam um aumento no ritmo de queda da taxa no próximo mês. A projeção é que haja uma redução de 0,5 ponto percentual por mês entre outubro e dezembro de 2005.

O aperto monetário começou em setembro de 2004, quando a Selic subiu de 16% para 16,25% ao ano. O Copom elevou a taxa mensalmente até maio passado, quando ela chegou a 19,75% ao ano. O outro ciclo de alta dos juros desta magnitude ocorreu em 2001, para combater os efeitos do racionamento de energia elétrica. Naquela época, a taxa aumentou de 15,5% para 15,75% ao ano em março de 2001 e caiu apenas em fevereiro de 2002, quando atingira 19%.

"Avaliando que a flexibilização da política monetária neste momento não compromete as conquistas obtidas no combate à inflação, o Copom decidiu, por unanimidade, reduzir a taxa Selic para 19,5% ao ano, sem viés", diz a curta nota dos diretores do Banco Central.

Sem indicar uma tendência (viés), os juros ficarão estáveis até o próximo encontro do comitê, em outubro. Na próxima quinta-feira, o BC divulga a ata da reunião, que vai expor em detalhes os motivos que levaram o Copom a retomar a queda dos juros.

Corte deve ser maior nos próximos meses

Para o economista Reinaldo Gonçalves, da UFRJ, a queda tímida ressuscitou a figura do viés, que era muito usado na gestão de Armínio Fraga:

- Foi um viés de baixa, nada mais: uma indicação de que os juros começarão a cair, porque 0,25 ponto não impacta a atividade econômica nem as expectativas de mercado. Continuamos numa situação lamentável, com os maiores juros reais do planeta, de 14% ao ano. O corte já chega atrasado e não muda nada para o trabalhador e para o microempresário. O BC precisará acelerar muito os cortes para compensar os longos meses de juros nas alturas.

O microempresário André Torós, sócio de uma empresa de publicidade, espera que os juros caiam:

- Com taxas mais baixas, as empresas voltam a investir e aplicam mais recursos em publicidade, o que garante o sucesso do meu negócio.

Segundo Gonçalves, mesmo que o BC coloque o pé no acelerador no ciclo de cortes de juros, um ano de taxas elevadas já causaram um estrago na economia difícil de reverter:

- O Brasil, diante do bom desempenho das exportações e da ampla liquidez internacional, já poderia estar crescendo a taxas de 8% ao ano, mas não deve passar de 3,5% em 2005, um nível medíocre para quem tem potencial de conseguir o dobro.

Joaquim Eloi Cirne de Toledo, da USP, também acredita que o corte de ontem muda pouca coisa:

- O impacto sobre atividade econômico é nulo. Foi nada mais do que um corte simbólico.

Hugo Penteado, economista-chefe do ABN Amro, vê com mais otimismo o corte de ontem, apesar de ter projetado corte de 0,5 ponto na Selic:

- O mais importante é prender-se ao fato de que os juros começaram a cair e devem cair mais ainda nos próximos meses. O BC só precisa estar atento ao ritmo de quedas, acelerando os cortes para 0,5 ponto e mesmo 0,75 ponto nas próximas reuniões. Uma queda mais lenta que o esperado pode ter o efeito perverso de retrair investimentos.

Empresários e sindicalistas saudaram a decisão como um passo positivo, mas criticaram a demora para o início da queda dos juros. Para o presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), Paulo Skaf, será necessário um grande empenho da sociedade e das indústrias para a economia se recuperar dos problemas causados pelo prolongado período de juros altos:

- A luta pela queda da Selic deve continuar, pois a redução hoje (ontem) anunciada é inexpressiva diante da realidade da economia nacional.

Para o presidente da Força Sindical, Paulo Pereira da Silva, o Paulinho, o Copom acertou no remédio, mas errou na dose. Paulinho considerou o corte extremamente tímido. João Felício, presidente da Central Única dos Trabalhadores (CUT), considerou a queda "exageradamente pequena diante da necessidade de ampliar o processo de crescimento econômico e de geração de empregos".

O presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Armando Monteiro Neto, também considerou a queda tímida e conservadora. E a Federação das Indústrias do Rio de Janeiro (Firjan) lembrou que a continuidade da redução dependerá do andamento de reformas estruturais.

Já para o presidente do Bradesco e da Federação Brasileira de Bancos (Febraban), Márcio Cypriano, a decisão do Copom foi tecnicamente coerente, tempestiva e merece elogios:

- A política monetária cumpriu com sucesso o desafio anterior de enquadrar a inflação à meta.

COLABORARAM: Ronaldo D'Ercole e Vladimir Goitia, especial para O GLOBO

Legenda da foto: O MICROEMPRESÁRIO André Torós, sócio de uma empresa de publicidade, critica os juros altos